14.5.07

Causos - De como a gente, sem querer, cria qualquer historinha

De como a gente, sem querer, cria qualquer historinha
por Carol Bataier

Eu no ônibus e lá fora uma chuvinha fina dessas que prendem a gente na cama em qualquer dia cinza. Mas por mais que minha vontade fosse essa, de nunca sair de baixo do edredon, é no ônibus que eu estava. Por que às vezes as minhas obrigações pesam e até criam voz própria. E elas conseguiram, me arrancaram da cama, com frio e cara amassada. Moleton, mochila e sono, fui pra faculdade. Aquele ritmo de ônibus, embalando meu sono de olhos abertos. O banco duro deixa tudo mais real. Sinal vermelho no meio do dia cinza. E eu olhando pela janela. E foi nesse momento que meu pensamento, feito borboletinha que vai sem a gente ter poder de segurar, passou pelo vidro respingado de chuva. Caiu lá fora, no dia cinzento, na chuvinha triste, passou pela rua, chegou na calçada. E lá foi ele pousar numa casinha de esquina, dessas com portão baixo, escadinha de dois degraus, varanda e porta de madeira. Casa de vó, dessas que às vezes tem até samambaia pendurada. E, pensamento-borboleta esse meu, feito uma delas, entrou sem pedir licença. Abusado, sem mesmo abrir a porta, passou. E quando percebi, estava ele lá na sala. Era eu que lá estava. Sala pequena, móveis de madeira, TV antiga, telefone idem, nada de muito moderno, nada muito branco ou prateado. Cortinas escuras, desenhadas, almofadas. E eu lá, deitada no sofá. A TV ligada num canal qualquer, porque o que importava não era a programação e sim aquela sensação que dá uma TV ligada, sabe? Eu embaixo do cobertor, olhando pra TV, sem entender e sem querer entender. Sentindo cheiro de bolo que vinha da cozinha. A chuva fina lá fora, o frio, nada me incomodava. Ao contrário, tão boa uma tarde dessas. Alguém na cozinha cantava, e isso só embalava meu quase-sono. E então o ônibus deu uma arrancada. A luz agora era verde. E lá vinha o pensamento voltando pra dentro do ônibus gelado. E meu deu uma angústia, uma quase nostalgia. É que qualquer realidadezinha amena fica um pouco mais pesada pra quem tem pensamento-borboleta.

Por Carol Bataier

2 comentários:

Theo disse...

eh nessa tardezinhas q a gente pensa em como nao fazer nada eh tao bom neh? poxa o q eu nao daria pra passar um ano inteiro assim
embaixo do edredon comendo alguma coisinha de baixo valor nutritivo mas que seja quente, tipo uma sopinha VONO de queijo cremoso com croutons assistindo tv, de preferencia filmes antigos aqueles bons, que da pra rir e se emocionar ao mesmo tempo, passar todo o tempo soh pensando que nao tem nada pra fazer, tem gente que acha tedioso, eu acho gostoso, saber q nao preciso me preocupar, pq tem gente q faz isso todo dia, preocupam-se com tantas coisas neh? vc carolina deve pensar que isso nao leva a nada, menina que tem o dom de nao sentir preocupacao neh? e que esta sempre sorridente com um olhar tranquilo, que tranquiliza, aposto que uma tarde embaixo do edredon, num dia de chuva, com a tv DESLIGADA, lendo coisas que vc escreveu desde pequena ateh hoje seria como conquistar Esparta! =) bjuss otimo texto.

Cristina disse...

Carol, tô virando tua fã.Entrei agorinha no Orkut, na comu Deleuze Cinema I e II e recém te descobri.Não consigo parar de ler o que tu escreve, tu deve ser bruxinha mesmo. Ou entrou de pensamento-borboleta aqui na minha sala, por causa da chuva ou do cheiro do pão de queijo. Amei.Repassei pros amigos.Volto sempre.