22.12.06

Teste: você entende de arte?

Teste: você entende de arte?

1 - Quem pintou o quadro Guernica, que retrata os horrores da Guerra Civil Espanhola?

a) Velásquez
b) Murillo
c) Picasso

2 - Quais bandas de Brasília surgiram do grupo Aborto Elétrico?

a) Paralamas do Sucesso e Legião Urbana
b) Legião Urbana e Capital Inicial
c) Paralamas do Sucesso e Capital Inicial

3 – Quem escreveu Capitães de Areia?

a) Marcelo Rubens Paiva
b) Euclides da Cunha
c) Jorge Amado

4 – De qual filme é a frase: “Francamente, minha querida, estou pouco me lixando”.

a) E o vento levou...
b) Ases Indomáveis
c) O pagador de promessas

5 – Quem foi o criador do estilo chamado Free Jazz?

a) John Coltrane
b) Ornette Coleman
c) Miles Davis

6 – Qual o nome da famosa série de livros de Julio Verne?

a) Volta ao Mundo em 80 dias
b) Viagens Extraordinárias
c) Alice no país das maravilhas

7 – Quem foi “o poeta dos escravos”?

a) Castro Alves
b) Casemiro de Abreu
c) Vinícius de Moraes

8 – Qual o nome do criador da história do Pinocchio?

a) Carlo Collodi
b) Henri Bergman
c) Irmãos Grimm

9 – Quem dirigiu Deus e o Diabo na Terra do Sol?

a) Augusto Boal
b) Arnaldo Jabor
c) Glauber Rocha

10 – Qual o autor do quadro O Grito?

a) Edvard Munch
b) Van Gogh
c) Pablo Picasso

clique aqui para ver o gabarito

16.12.06

Petit Música - Musiquinhas de natal

Musiquinhas de natal
por Luciano Piccazio Ornelas

Chegou o natal, época dos comerciantes faturarem e de muitos tirarem férias. Época dos discursos inflamados sobre espíritos natalinos, do décimo terceiro, décimo quarto, décimo quinto...

Para a música, é sempre um bom período. As festas pipocam para todos os lados, o tal espírito natalino floresce nos bolsos dos homens de negócios que, para impressionar, liberam a verba.

Floresce também, nas mãos compositoras dos músicos, músicas natalinas. E é exatamente aí que mora o perigo.

Quem agüenta ouvir Jingle Bells? Ou então "Happy Xmas", do John Lennon? São músicas que ficam armazenadas num potinho enferrujado no porão de uma casa velha, e que são tiradas todo o natal, invariavelmente.

Não sei quanto a vocês, mas essas músicas me deixam num mal humor danado, bem longe do tão almejado "espírito natalino". A pior coisa do natal é ouvir aquela versão da música do John Lennon em português. É para se jogar da ponte.

Aí os artistas se reúnem. Vestem-se todos de branco, seja natal, seja ano novo. Falam de paz, amor e esperança como se fossem palavras mágicas, que por si só resolverão o problema do mundo. É particularmente risível: "Desejo a todos paz, amor e esperança e um beijo bem quentinho no coração". Ok, então. Mas... o que você está fazendo para isso?

Não, cantar na Globo não é um bom jeito de atingir a paz mundial.

Realmente o natal traz coisas boas. O tal espírito natalino, por exemplo. Não é ótimo ver as pessoas se ajudando sem esperar receber nada em troca, mas simplesmente sendo movidas por um sentimento maior? Mesmo que só por alguns dias, é ótimo. Agora entram aquelas musiquinhas horríveis e o que acontece??? A pasteurização do natal!!!!! É paz e esperança pra cá, paz e esperança pra lá! E ninguém até agora parou para pensar seriamente nestas palavras. To começando a ficar enjoado delas.

Então uma dica, neste natal dê cds de música instrumental, qualquer que seja. Pra turma parar de se pasteurizar com o cd do Michael Jackson cantando um mundo mais bonito (uóóóó). Uma boa dica é Bolling Suíte For Flute, ou qualquer um do Jeff Beck. Só farei um pedido: peloamordeDeus, quebrem os cds de musiquinhas de natal!!!!

Luciano Piccazio Ornelas

Rave Cultural - Casa das Rosas - 9 e 10/12/06

Podia ter sempre

Imaginar uma rave cultural por si só já é um evento. Estimula a curiosidade de qualquer ser minimamente ligado em música, ou poesia, ou pintura, ou cinema, ou teatro, ou todos juntos.

A Casa das Rosas, um antigo e maravilhoso casarão da Paulista, agora cultural, com o nome de Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura anunciava a rave para comemorar dois anos de funcionamento. A festa, marcada para começar no sábado, dia 9 de dezembro, às 18 horas, só terminaria no domingo às 7 da manhã com a promessa de intensa programação.

Cheguei na Casa das Rosas lá pelas oito da noite de sábado, quando os músicos do Musiclube apresentavam-se no hall da casa, em um palco improvisado embaixo da escadaria de mármore, em frente as fileiras de cadeiras leves que acomodavam parte do público. Mas a platéia não esquentava muito o lugar, as pessoas dançavam, transitavam pelos corredores e salas, encontravam amigos e curtiam a música nos jardins. Todo aquele passear certamente era parte do cenário.

Logo na entrada, a programação era distribuída e anunciava que eu havia perdido a apresentação das 18, Desconcertos, quando proseadores dirigidos por Claudinei Vieira, abriram os trabalhos da noite. O Grupo de Criação Poética veio em seguida.

Mas, agora, eu assistia ao professor de História da Música Brasileira, André Domingues, apresentar seus convidados. Ao microfone, André anunciou Betinho Sodré e Ito Moreno: “Olha, eles são bons. Vocês vão gostar!”

Na verdade, eles eram ótimos. Incendiaram a pequena platéia das cadeiras leves e todo mundo lá fora. Violão e pandeiro, simples, bom, vibrante. A primeira música, Circuladô de Fulo poema de Haroldo de Campos, musicado por Caetano. Na seqüência, Geléia Geral do Gil e Torquato Neto esquentou ainda mais a apresentação. Em seguida, vieram três composições do Ito Moreno, uma delas Maracatu, Samba e Baião ..."Bate o pandeiro, quero ver o coro no calo. Quero ver o povo no embalo, um bate-coxa sem parar. O rola-embola da cantiga fez história! Misturo rola com bola, quero ver a língua embolar”. A apresentação passou rapidinha. Tinha ainda muita gente para tocar. Conseguimos um bis.

Terminado o show, sai. Fui fazer parte do cenário.

Subi as escadarias e no andar de cima, em uma sala próxima ao imenso banheiro, havia um papel impresso pregado na porta fechada. Ele anunciava os filmes da noite e da madrugada: O livro de Cabeceira Peter Grenway (20h), Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (22h), O Sétimo Selo, Ingmar Bergman (00h), Crepúsculo dos Deuses, Billi Wilder (02h), Zelig, Woody Allen (04h).

Das varandas de cima, podia-se ver um certo tumulto no “quintal”, perto da edícula, local onde antigamente ficavam os empregados do casarão. Era a moçada a espera das apresentações teatrais dirigidas por Paula Chagas. A nova sessão teria inicio dali meia-hora, à meia noite.

Daí pra frente a programação seguiria com sarau aberto, forró, poesia Maloquerista, dança, tecnobeat, blacmusic, Dub Music, declamação...e para fechar, às sete de domingo, café da manhã.

Fui pra casa cedo, a uma da madrugada de sábado, mas tive a certeza de que quem ficou se divertiu muito. Fui pensando que aquilo tudo podia ter sempre.

Nota 10
Custo zero
Fui e voltei a pé


por Claudia Piccazio

8.12.06

Tom Zé (pocket show) – Fnac Pinheiros – 07/12/2006

Atingindo o alvo

Respeitado no Brasil e premiado mundo afora, Tom Zé é uma figura única no cenário musical. Sempre quebrando barreiras e impondo sua coragem e genialidade, não pode ser comparado com ninguém e nem rotulado. Uma garoa fina e irritante caia sobre São Paulo durante meu caminho até a Fnac Pinheiros. Porém, nem isso me desanimava, afinal a promessa era de um show inteligente, animado e divertido, assim como é aquela figura exótica e cativante que estaria lá para lançar seu cd “Disc-êh-sá”

Agora nomeado “Tão Zé”, entra no pequeno palco do Fórum da loja, vestindo trajes, no mínimo, curiosos. Tratam-se de uma mesa DJ simulada e algumas almofadas pretas ao redor. Ele desfila perto de nós, visando quebrar o gelo inicial e apresentar toda aquela parafernália em seu corpo. Então, acompanhado de um Dj com uma mesa grande e real para mixar os sons e fazer backing-vocals, a primeira música inicia. “Acum-Mahá” é o nome dela e este é exatamente o som proclamado pelos dois músicos em grande parte do tempo. Efeitos são misturados e acelerados, o que possibilita a estranha dança de Tom Zé, até que há uma quebra brusca no ritmo. Após o momento de calmaria, a parte anterior volta e encerra a canção. Sem letras geniais, apenas muito ritmo e efeitos. A coragem de Tom Zé em fazer mudanças e se reinventar estava clara mais uma vez.

No auge de seus 70 anos, o músico irreverente aparentava uma juventude nítida: dançava saltitante e tinha uma alegria nos olhos como se aquele fosse seu primeiro show na carreira. Seguiram-se explicações e piadas diversas. O porquê da ausência de palavras em todo o disco também se torna claro: toda a idéia do álbum surgiu com uma pesquisa feita entre os jovens e divulgada na Mtv. Tal levantamento indicava um grande desinteresse dos jovens por músicas longas e um egoísmo acima do normal. Pensando nisso ele trabalhou um conceito de fases e conflitos diversos, sempre tocando em outra idéia que lhe aflita: as suas origens africanas e mitológicas. Como afirmou: “A juventude é o meu alvo”


Após muito tempo de explicações, quase 10 minutos, o que interferiu ligeiramente no cansaço do público, ele voltou à mesma música para que agora pudéssemos entendê-la melhor. Houve mais declarações a respeito do mesmo assunto anterior e veio a música “Atchim”, em que Tom Zé pediu a participação do público em palmas e gritos. Foi neste momento então que todos mostraram o envolvimento e aprovação das novas idéias presentes nitidamente em todo o CD. A participação do DJ que colaborava com ele era essencial, com intervenções variadas e geniais. Após mímicas, gritos e muitas palmas, Tom pegou seu violão e voltou às letras: duas canções antigas foram tocadas em meio a mais algumas piadas para saudar antigos fãs que sorriam e cantavam eufóricos. Uma hora tinha passado levemente e a sessão de autógrafos, abraços e fotos começou, para presentear os merecedores acompanhantes daquela noite animada e irreverente em que Tom Zé, mais uma vez, mostrou força e coragem para alcançar um objetivo

Custos:

Transporte: R$ 4,60 (ônibus ida e volta)

Nota – 9,5

5.12.06

Rave Cultural

RAVE CULTURAL NA CASA DAS ROSAS
(Casa Haroldo de Campos)


Sábado 9 e domingo 10 a Casa das Rosas irá promover uma Rave Cultural que vai das 18h do dia 9 até as 7h do dia 10. É uma programação com bastante poesia, música, teatro e cinema. A agenda completa você pode conferir aqui.

É desse tipo de iniciativa que São Paulo precisa. Arte gratuita, de qualidade, aos montes e de uma vez só! Claro que o Arte Free não vai ficar de fora, e irá até a Casa das Rosas conferir as atividades.

Até lá!

Serviço:
Av. Paulista, 37 - Paraíso - São Paulo- SP
Fone: (11) 3285-6986

3.12.06

O Brasil de Marc Ferrez - Sesi - 03/12/06

O Brasil de Marc Ferrez

Sábado, caia uma chuvona. Saio do metrô Trianon e dou de cara com a imensa vitrine da Galeria do Sesi tingida de bordô, cor de caixas de bombons de antigamente, aquelas em veludo ou então camurça. Uma cor sofisticada, que sinaliza elaboração, luxo clássico, discreto, exatamente como as imagens expostas do fotógrafo carioca Marc Ferrez “O mais importante fotógrafo brasileiro do século XIX e inicio do século XX”

Entro na galeria e suas paredes estão ainda mais bordô e, no meio da cor, as fotos em preto e branco, expostas em diversos corredores e em pequenas salas que obedecem a uma ordem, um labirinto no qual somos orientados a seguir. Fico pensando na importância de Ferrez , mais até pela sua ausência. E se aquelas imagens não existissem? Perderíamos uma obra documental valiosa de um artista que registrou dois séculos em 50 anos de produção.

Saberíamos muito menos sobre as paisagens naturais e urbanas do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro, as prediletas, e de São Paulo. E menos ainda sobre a vida daqueles anos registrados sob a perspectiva de suas lentes

Porque as imagens de Ferrez não se mostram meramente paisagens, o elemento humano, quase sempre presente, legitima a cena e dá informações valiosas sobre o comportamento da época. O fotografo constrói um cenário que ultrapassa, em muito, a própria imagem. Nesse sentido é imperdível a foto de um terreiro de café onde escravos trabalham. Lá eles estão com roupas diferentes entre si, alguns de chapéu semelhante a chapéu coco, alguns de paletó, e outros ainda com vestimentas diversas. As informações passadas na foto são muito interessantes principalmente para quem está habituado a associar escravos à calças enroladas até o joelho e torso nu.

Entro em uma das primeiras salas onde três painéis de cinco metros de altura cobrem todas as paredes. Neles, a tentativa de transmitir a sensação de magnitude de cachoeiras que despejam suas águas. Mas, o curioso é justamente o elemento humano nas fotos dos painéis, confrontado com aquela natureza. Moçoilas com vestidos fechadíssimos, longuíssimos, com direito a laço e almofadinha , chapéu e sombrinha, posam em pé. Em uma das imagens, um rapaz languidamente sentado sobre uma pedra tem boa parte da barra de sua calça molhada pelas águas, não fosse isso, seu traje poderia ser confundido com qualquer outro apropriado para um evento social.

Fotógrafo da Marinha Imperial e da Comissão Geográfica e Geológica do Império, Ferrez viajou por todo o país. Registrou as minas de ouro de Minas Gerais, os serviços de captação de água e as instalações urbanas do Rio de Janeiro. Em São Paulo, fotografou as fazendas de café, a cidade de Santos e o porto, além dos panoramas da capital. Não faltaram retratos da família real, de celebridades da época, de índios e negros

Nas saletas da Galeria do Sesi espalham-se 350 imagens do acervo de 5.500 do Instituto Moreira Salles (IMS). São registros que datam a partir de 1860, ano em que o fotógrafo iniciou suas atividades e produziu panoramas da cidade do Rio de Janeiro em negativos de grande formato (40 x 110 cm).

Quando chego bem ao centro da galeria, encontro a grande câmera que Ferrez utilizava para fazer as tais panorâmicas. Junto a ela estão todos os equipamentos usados por ele. Passo pelas vitrines que exibem negativos originais em vidro e paro nas reproduções de imagens feitas pela IMS em papel albuminado, técnica do século 19 realizada a partir de clara de ovo e exposição da imagem ao sol.
Saio dali com a sensação de que não vi tudo que deveria. Marc Ferrez conta muitas histórias. É para se ler devagar.


Custos

Uma passagem de metrô 2.10
Voltei para casa a pé

Nota 10

Serviço:
Exposição: O Brasil de Marc Ferrez – Fotografias do Acervo do Instituto Moreira Salles
Local: Galeria de Arte do SESI – Av. Paulista, 1313 – metrô Trianon-Masp
Exposição: até 4 de março de 2007
Horário: de terça a sábado, das 10h às 20h; domingos, das 10h às 19h

Por Claudia Piccazio

30.11.06

Transposições – Instituto Cervantes – 30/11/2006

Transpor culturas


Os elos entre a cultura brasileira e espanhola são facilmente perceptíveis em nosso país. Porém, também é inegável que há diferenças fundamentais, o que dificulta uma união artística, muitas vezes buscada em diferentes áreas, desde a música até a literatura. O Instituto Cervantes de São Paulo é uma instituição que trabalha com essa ligação hispânico-brasileira e traz a exposição Transposições com este objetivo. Através das obras de quatro artistas que vivem no Brasil, mas de origem e descendência espanhola, a mostra busca a provar a integração de influências existentes em quadros e esculturas feitas com técnicas diferentes.


Os quatro artistas que participam da exposição são: Margarita Farré, Luis Bayón, Pascualet e Paulino Lazur. A história de vida de cada um está diretamente relacionada com o Brasil. Margarita, por exemplo, só iniciou sua formação artística neste país. Ela trabalha com bronze patinado e trata de temas cotidianos e onipresentes na rotina de qualquer brasileiro. A obra “fila”, por exemplo, reproduz com fidelidade o sufoco que passamos rotineiramente em busca de qualquer serviço ou produto. Porém, a escultura “Decisão por pênaltis” foi a que mais me chamou a atenção, uma vez que os “bonecos” de Margarita passam uma emoção digna deste momento clássico e tão marcante na memória de qualquer pessoa que acompanha futebol mesmo a distância.

No lado esquerdo do espaço cultural do Instituto estão os quadros de Paulino Lazur. Com pequenas descrições manuscritas pelo próprio autor, a abstração aparente se torna cheia de simbolismo e incorpora leituras interessantes e até bem humoradas em alguns casos. Há referências curiosas em todas as obras: desde o lugar em que viveu no Brasil, Guarulhos, até o poeta pernambucano Manuel Bandeira. São pinturas com ligações entre si e que caracterizam a produção deste artista espanhol.


Os maiores e melhores quadros são de Pascualet. Apesar de ter nascido no Brasil, é quem mais inclui menções à cultura hispânica e latina em geral em suas obras. Ricas em detalhes e cheias de cores vivas e alegres, as telas apresentam uma beleza curiosa e única. Com “Mandala brasilis”, Pascualet retrata com lealdade sua paixão pelo Brasil em uma combinação de cores impressionante. Penas de animais são incluídas em algumas obras para dar mais valor e encanto a cada quadro.

Já as peças de Luis Bayón são interessantes, porém considero um erro colocá-las nessa exposição, já que é pouco perceptível a ligação de culturas. Ou seja, o objetivo da exposição não é conquistado completamente e perde um pouco de sentido. Entretanto, no fim é possível captar a variedade de ligações entre as duas culturas tão próximas e tão distantes, mas que conseguem unir-se através do talento. As transposições, objetivo dos curadores, são facilmente vistas e sentidas através da arte.
Custos
Transporte: R$0,00 (fui e voltei a pé)

Total: R$0,00

Nota – 8

Imagens de divulgação

28.11.06

Boris Gaquere e Renato Martins – Sesc Avenida Paulista – 28/11/2006

Obrigado por essa hora feliz

A mistura excêntrica de um violonista belga com um percussionista brasileiro seria, no mínimo, interessante. Com esta expectativa me dirigi até o Sesc da Avenida Paulista, afinal aquela variedade de influências e melodias atraia meu ouvido curioso. Após passarem pela Europa, Japão, Taiwan e Coréia, Boris Gaquere - o belga - e Renato Martins chegaram ao Brasil para lançarem seu CD “Tempo Feliz”, com composições próprias e de autores consagrados como Baden Powell e Paulo Balineti.

O auditório estava lotado quando o show começou pontualmente às 19 horas. Poucos instrumentos, mas um som complexo: notas rápidas e percussões que encaixavam na melodia. Boris Gaquere apresentava uma técnica magnífica: por vezes a impressão era que havia mais dois ou três violões no palco ou que ele tinha mais que cinco dedos, tamanha era sua velocidade. O entrosamento entre os dois músicos era evidente e inspirava segurança em todos os presentes. O público era formada em sua maioria por adultos e idosos, naturalmente fãs de música clássica e freqüentadores assíduos do programa “Instrumental Sesc Brasil”, que traz convidados cada vez mais célebres.


Renato Martins possui uma técnica singular e que realmente deixa qualquer pessoa atônita: em um simples vaso de barro ele cria diversos sons. Com a palma aberta ou fechada, nas pontas dos dedos ou ao tampar e abrir a saída de ar, o percussionista brasileiro encaixa efeitos essenciais para as musicas bem escolhidas para o show. Não há mais palavra para definir o talento ali apresentado que não seja: chocante. Apesar de alguns solos ultrapassarem o limite de cansaço, todo o público correspondia com aplausos que se tornaram cada vez mais fortes após grandes destaques, como “Baile Funk”, “Sai do Chão” e “Pulo do Gato”.



Boris nem parecia belga, se não fosse o sotaque apresentado entre cada canção: com arranjos tradicionalmente brasileiros ao extremo e o complemento perfeito de Renato, o violonista assemelhava-se mais a um experiente integrante da Bossa Nova. A brasilidade ali apresentada era evidente, atraindo sorrisos, pés batucantes e gritos ensandecidos. A simpatia e carisma apresentado por piadas e diálogos diretos faziam com que não quiséssemos nos retirar do auditório. Porém, após mais uma bela música intitulada “Obrigado”, e alguns bis, o show acabou. Mas eles nem precisava agradecer. Obrigado, dizemos nós, aos dois!

Custos:

Total: R$ 0,00

Nota - 8,5

26.11.06

Causos - Beijo Beat

Beijo Beat
por Carol Bataier

Sabe Geração Beat? Drogas, poesia, jazz e sexo livre? Jack Kerouac? Pois é, nós tínhamos um trabalho pra fazer sobre os caras. Teríamos que apresentar algo muito bom e que de alguma forma resumisse em, no máximo 30 minutos, o que foi a Beat Generation.

O trabalho era pra faculdade, mas a galera do grupo fazia teatro. E, atores narcisistas que somos, não nos contentamos em fazer somente um filminho no movie maker sobre o movimento e a vida dos caras. Resolvemos fazer uma apresentaçãozinha meio assim teatral. Cenário de bar, vinhos e cigarros sobre a mesa, e nós em meio a fumaça e luz vermelha lendo poesias beatniks.

O auge da loucura seria o poema “O Uivo”, de Allen Ginsberg.

É um poema escancarado, louco, erótico, tudo. Uma viagem.

E foi ai que tivemos a idéia: seria legal se, no meio do poema, dois caras se beijassem. A intenção não era exagerar ou apelar. Somente mostrar o que realmente foi o movimento e talvez causar em alguns o espanto, assim como os beats causaram com toda a sociedade norte-americana dos anos 50/60.

E a idéia evoluiu. Decidimos chamar dois caras aleatórios, desconhecidos da turma (já que seria apresentado na faculdade), e deixá-los no “bar”. Todos imaginariam que eles fossem meros figurantes, somente acentuando o climinha de boteco. Então, no auge do poema, quando um dos atores gritasse: “que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livremente seu sêmem para quem quisesse ver”, os garotos se beijariam.

Mas tínhamos que arranjar os garotos. Depois de mil telefones e de ouvir “nãos”, “não dá”, “tenho vergonha”, tivemos uma idéia mais prática: ir até uma outra Universidade e procurar alunos do curso de artes cênicas que estivessem dispostos a nos ajudar. Encontramos um rapaz muito legal. Faltava o segundo. Procuramos, procuramos e nada. Fomos dormir e a apresentação seria na noite seguinte. .

Acordamos já pensando no segundo ator. E o encontramos assim, bem por acaso, recrutando pessoas na faculdade: “Oi, nós temos uma trabalho e blabla...”

Explicamos tudo e os garotos só se encontraram na hora da apresentação e pouco puderam conversar a respeito da cena. Nós, do grupo, explicamos assim: “Vocês ficam livres para conduzirem da maneira que acharem melhor. Podem somente insinuar um beijo, um selinho, se quiserem...”

Chegou a hora. Fumaça, jazz e luz vermelha. Mesinhas de bar, tudo como o planejado. Eu na mesa ao lado, fumando. Um dos atores se levanta, recita, grita, dá a deixa enquanto direciona seu olhar para os garotos, conduzindo assim o olhar do público. Os garotos se abraçam, mãos na nuca, se puxam, se pegam, se beijam, quase caem da cadeira. A cena comove até nós do grupo, que esperávamos leves carícias.

Olhares espantados por todos os lados. A poesia continua no ritmo do jazz. Aplausos. No final o professor, um ser quase inatingível, desses que a gente nunca vê pelos corredores da faculdade, diz, emocionado, que foi maravilhoso. E assim, meio que no susto, todo mundo sentiu bem o clima beat, esse desbunde escancarado, essa loucura inebriante.


Carol Bataier é estudante de jornalismo

Artistas no Telhado - Filarmônica de Berlim


"A gente não quer só comida
a gente quer comida, diversão e arte"

Não basta só haver arte de graça. Os preços dos ingressos para shows como o do U2 ou Filarmônica de Berlim são uma prova de que muitos não têm o mínimo senso de realidade. Ninguém tem dinheiro, o país está falido e, mesmo assim, cobram 200 reais no ingresso mais barato. Cirque du Soleil que o diga. E os fãs e interessados sofrem; vêm alguns de seus maiores ídolos chegarem ao Brasil e não têm dinheiro para assistir. No caso dos músicos é ainda pior: trabalham com música, dedicam uma vida a isso, e não tem dinheiro para assistir a um show mais caro.

Helena Piccazio, violinista, está juntando histórias de músicos brasileiros que conseguiram furar esse esquema e assistir à apresentação da Filarmônica de Berlim (melhor do mundo!) de graça, quando esta veio para São Paulo.

Essa é a idéia. Arte é pra todo mundo!!!

Nessa semana, Helena nos traz a história do trompista André Gonçalves:

Quando a Berliner Philharmoniker Orchester esteve em São Paulo, eu tinha acabado de entrar na Orquestra Sinfônica de São Caetano do Sul, emprego que tinha conquistado com muito suor, que era muito importante para mim. Então eu ganhei um convite pro concerto (!), e no meu 1º ensaio da orquestra pedi licença para faltar, e assistir a BPO, já que tive a sorte de ser premiado com um convite.

No dia seguinte à tarde teve uma masterclass na cúpula do Theatro Municipal de São Paulo que foi muito interessante. Quando ela acabou, resolvi me esconder e fiquei por ali até um funcionário do Theatro chegar e perguntar o que nós (eu e mais uns ratos como eu) estávamos fazendo lá. Dissemos que a aula tinha acabado tarde, e que já estávamos indo embora...

É claro que desci eu fui direto para um banheiro do foyer. Eu poderia simular que estava passando mal e precisava ficar no vaso muito tempo ou algo assim. Fiquei lá das 17h até 21h, então mantive a pose, lavei minhas mãos e dei uma arrumada no cabelo. Saí do banheiro e assisti de novo o concerto da melhor orquestra do mundo. E acabei faltando no ensaio da Orquestra de São Caetano de novo...

A essa altura eu estava tão empolgado que já tinha esquecido da Orquestra de São Caetano, e resolvi chamar a galera da BPO pra tomar um choppinho. A galera gostou da idéia e a gente foi parar no Bar Continental. Tomamos uns 258 chopps e a conta foi paga em marco alemão, essa parte também foi boa!

Dia seguinte eu tive uma ressaca enorme, mas estava muito feliz, ainda mais porque até hoje eu tenho a gravação da 9a sinfonia de Mahler que eles tocaram no Teatro Municipal, hehehe...

No outro ano fui a Berlin e o Stefan Dohr (primeira trompa da BPO) lembrou de mim, do barzinho, e me deu uma aula de 2 horas de graça!"

André Gonçalves toca trompa na Orquestra Sinfônica do Estado De São Paulo.

Legenda:

Berliner Philarmoniker Orchester (BPO) é o nome original da Orquestra Filarmônica de Berlin em alemão.

Masterclass é o nome dado a uma aula de instrumento musical aberta a ouvintes, geralmente são várias pessoas que t em aula numa mesma masterclass, uma de cada vez.

19.11.06

Sérgio Milliet e as Bienais - CCSP - 19/11/06

Moderno, sempre

Andar pela exposição Sérgio Milliet e As Bienais é resgatar a história da arte moderna no Brasil. Sérgio foi diretor da Biblioteca Municipal e do Museu de Arte Moderna de 1952 a 1957, e lutou para que esse tipo de arte fosse bem aceita por aqui. A exposição reúne algumas obras expostas nas primeiras Bienais, realizadas no MAM quando Sérgio era diretor.

Entrei na sala onde estão expostos os quadros, e começei, cronologicamente, pela parte esquerda. Rascunhos e pinturas de Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e outros. Alguns quadros impressionam pela simplicidade, outros pela forma complexa de se transmitir uma mensagem simples.

Um dos quadros mais belos é de Oswaldo Goeldi, intitulado Tubarão. Um tubarão posto numa liteira, num dia calmo qualquer. O quadro é todo traçado com linhas horizontais, e nelas o céu, o mar e o chão fazem parte da mesma substância. Goeldi usa tons de amarelo, laranja e marrom para compor um quadro que não nos dá certeza de que se está admirando um pôr ou um nascer do sol.

Outro de babar é um quadro do polonês Jacob Steinhardt. Uma cidade decadente vê uma mulher levando dois baldes amarrados um em cada ponta de uma vara que leva às costas; possivelmente foi buscar água no poço. Cores tensas, carregadas de intencionalidade ao descrever aquele mundo como prestes a ruir. Ou já em ruínas.

Milton Dacosta também está representado, e muito bem. Seu quadro Namorados (fig. 1) é bem ao estilo Pablo Picasso. Um rosto dividido ao meio, e cada metade representa um dos dois namorados, como se fossem uma pessoa só, mas mantendo as devidas individualidades. Usa cores fortes, como o azul e o amarelo.

As obras vão ficando mais e mais abstratas, até chegar a um abstrato total, nos quais títulos pouco ou nada importam. Obras de Geraldo de Barros, Rubem Valentim e Anatol Wladylaw (ao lado) compõe parte deste cenário de negação da negação, que compôs o cenário artístico brasileiro e mundial principalmente nos anos cinqüenta e início dos sessenta.

Vale a pena visitar o antigo Centro Cultural Vergueiro, atual CCSP. Além dessa exposição, há algumas outras mostras rolando no lugar que, se não são igualmente boas, valem a visita.

Nota – 9

Custos
Café – R$1,00
Pão-de-queijo – R$1,20
Transporte (fui e voltei a pé)
Total – R$2,20

18.11.06

Da meia-noite às seis – Casa das Rosas – 18/11/2006

Fotomontagens

Inúmeras vezes acordamos assustados com nossos sonhos, sem entender quais podem ser seus significados. Grandes mistérios, sustos e revelações são apresentados, mas na maioria das vezes sem coerência nem nexo. Estas impressões formam a preocupação da fotógrafa e artista plástica Flávia Gomes na mostra “Da meia-noite às seis” que retrata este período em que acreditamos estar durmindo profundamente.

Através da técnica “Light Painting” - pintura de luz – 22 trabalhos estão expostos em um leve tecido, na reformada Casa das Rosas. São fotos distorcidas e alteradas para criar ambientes chocantes, fortes e impressionantes. Poesias também são acrescentadas para ilustrar aquelas ilusões e simbolismo.

Muitas imagens passam um ar assustador. É o caso em que há um auto-retrato de Flavia Gomes em posições distintas numa mesma sala. Com tons diferentes de cores, cria-se um destaque para o fundo do espaço, como se houvesse um fantasma predominante sobre a realidade apresentada. É preciso muita atenção e poder de observação para reparar nos detalhes que permeiam cada obra. Em um jogo de luzes fascinante e fotos ainda mais completas e reveladoras, relembramos sonhos que já nos incomodaram em passados distantes. Com metáforas sensíveis, a artista cria profundas sensações em cada um que observa os quadros com atenção.

As poesias são diretamente relacionadas ao tema. Em certos momentos, parecem completar-se umas as outras - assim como as fotos, que aparecem em uma seqüência bem escolhida. A simplicidade em que as obras estão dispostas cria um ambiente de pureza e leveza, quase nos transportando para dentro de um sonho, atingindo em cheio o ponto em que a autora provavelmente queria chegar.

Durante o curto passeio pela pequena sala de exposição, as antigas perguntas sobre sonhos e ilusões da mente vem à tona: estamos realmente dormindo quando aqueles histórias passeiam pela nossa cabeça? são sinais que aparecem para nós e devem ser estudados e interpretados cuidadosamente? ou são apenas delírios de descanso? Apesar do pouco espaço e da ausência total de interação, a reflexão provinda das idéias inteligentes de Flávia Gomes superam os problemas e criam identidade própria, o que provoca boas lembranças, conversas e longas histórias.

Custos
R$ 0,00 (fui e voltei a pé)

Nota 8

Por Allan Brito

11.11.06

Primeira pessoa – Itaú Cultural – 11/11/2006

Viva a vida, viva a interação

A nossa existência e intimidade é um tema freqüente nas diversas linguagens da arte e pode ser abordada em inúmeros aspectos. Pensando nessa variedade de idéias em torno de um tema tão recorrente e fundamental, a mostra Primeira Pessoa foi desenvolvida para abranger a maior quantidade de informações a esse respeito. Traz obras de 13 artistas como José Rufino e Albano Afonso, todos unidos pela linha narrativa da autobiografia e memória. É apresentado o paradoxo entre individualismo e interação.

Em qualquer exposição que vou sempre gosto de ver a capacidade que os autores tiveram em criar meios de interação com quem vai observar sua obra. E neste ponto a exposição do Itaú Cultural está perfeita. A grande maioria das obras não é apenas observada. Nos quatro andares do local sempre há som, contato e liberdade. Desde quadros e objetos até projetores e televisões, a criatividade transborda, o que nos brinda com uma sensação permanente de movimento e fluxo.

Difícil é escolher o que mais chamou minha atenção. Logo na entrada, Emil Forman faz uma instalação fotográfica sobre a sua mãe, retratando as recordações que sentimos. Ao subir para o mezanino vemos mais objetos dispostos para atiçar lembranças e saudades. O grupo Lume de teatro expôs, com ajuda da curadora Christine Greiner, souvenirs coletados em suas viagens pelo mundo. Neste mesmo andar, ainda temos a surpreendente obra de Albano Afonso, que apresenta a série Como Me Vejo/Como Eles Se Viam, em que mistura genialmente a sua imagem com as imagens de grandes artistas, como Rembrandt, Velįzquez e Courbet. Neste momento percebemos como refletir é viver, a partir da descoberta de novas visões e leituras em cada quadro.

Descendo para os subsolos era difícil prever quais eram as outras surpresas nos aguardavam, mas a certeza de que não haveria decepção era absoluta. Então vejo projetores. São documentários de Cão Guimarães, retratando o que acontece quando nossa intimidade é observada por pessoas que não nos conhecem. A vontade é de assistir a todos filmes, porém a curiosidade com o que está à nossa frente é ainda maior. Parece um lago, há alguma galochas e objetos pendurados no teto. É possível pisar naquela superfície para descobrir um novo mundo artístico com o Teatro de Vertigem.

Em meio a tantos artistas geniais, Hermeto Pascoal também marca presença. Partituras de seu projeto, em que escreveu uma música para cada dia do ano, são montadas para a exposição em que mergulhamos em um mundo de belas composições, como um trecho que inspira o título dessa resenha: “Viva a vida, viva o som”. Descendo mais um andar, temos televisões e obras menos interativas, mas não menos interesantes. Os autores também aparecem nas telas para comentar a própria obra neste projeto grandioso.
Ao final, ainda mais interação: cada visitante pode criar seu próprio catálogo com resumos sobre os espaços vistos. Diversos textos e fotos estão disponíveis para a montagem de uma recordação valiosa. Impossível esquecer tamanha qualidade artística e criativa.


Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Salgado e refrigerante - R$ 4,00
Total – R$ 4,00

Nota – 10


por Allan Brito

Causos - Criança tem cada uma...

Criança tem cada uma...
por Carol Bataier

Trabalhar com criança dá trabalho. Trabalhar com teatro dá trabalhos. Ambos exigem dedicação e paixão. E juntar os dois exige além disso, paciência.

Mas eu, na minha situação de paciente apaixonada, resolvi ensinar teatro a um grupo de crianças. E formei um bom grupo, com crianças dedicadas, expressivas e, claro, serelepes!

Resolvi ensiná-las tudo, não somente a interpretação. Entreguei-lhes livros. Pedi que escrevessem histórias, que usassem a imaginação. A intenção era fazer com que eles ensaiassem e representassem uma peça escritas por eles mesmos. Queria envolvê-los em tudo e assim fiz.

E eles usaram toda a imensa imaginação infantil e a peça ficou pronta. Tinha princesa, cavalos, dragões, príncipe. Sim, as crianças de hoje em dia ainda lêem contos de fadas!

Depois fizeram o cenário. O castelo, as pedras, as árvores. Tudo de papelão.

No dia da distribuição dos papéis houve um problema: sobravam meninos e faltam príncipes e bobos-da-corte. E todos queriam estar no palco. A solução encontrada em conjunto foi que alguns meninos seriam as árvores. Dois deles concordaram, mas o terceiro fez cara feia. Era um menino muito expressivo, que não se contentou com uma simples e muda árvore. Sobrava expressividade e faltava papel naquele grupo.

Depois de ensaios, risadas e choros chegou o dia da primeira apresentação. Tudo parecia tranqüilo, mas eu sentia que o garotinho da árvore estava planejando alguma coisa. “Quando a criança está muito quieta, é porque está fazendo algo errado”. Ah! A velha sabedoria popular. Sempre com razão!

O espetáculo começou e as árvores estavam em seu lugar. E assim a peça decorreu, até certo momento. Havia uma cena em que o príncipe procurava sua princesinha em todo canto, sem saber que a pequena estava presa no castelo. O príncipe parava para descansar embaixo das árvores, onde, depois de muito questionar-se, tinha a idéia de ir até o castelo. Mas o principezinho desavisado não sabia que havia um terrível dragão guardando as portas da frente do castelo e ao chegar lá os dois brigavam e depois da árdua batalha o príncipe saía vitorioso, claro.

E lá estava o principezinho descansando à sombra. O garoto olha para a platéia, usa sua melhor expressão de desespero e diz: “E agora? O que eu faço? Onde ela pode estar?”. E foi então que uma das árvores se mexeu e, dando um pulo à frente do príncipe, exclamou: “Tá no castelo, tenho certeza! Passa lá, mas vai pelos fundos que na frente tem um dragão!”.

O príncipe, sem alternativa, aceitou o conselho, salvou a princezinha e foi feliz pra sempre, sem nenhum cansaço.

Carol Bataier é estudante de jornalismo

7.11.06

Galope - CineSesc – 06/11/2006

Refletindo a galope

Não havia mais de vinte pessoas na sala de cinema do Sesc quando o filme começou a ser rodado. Definitivamente o cinema polonês não é algo que atraia um público realmente grande, e o horário, no meio da tarde, também não favorecia. Porém, minha recente paixão por cinema e uma enorme curiosidade típica de jornalista me levaram animado ao local.

A mostra faz parte de uma iniciativa da Embaixada da Polônia para divulgar a cultura de seu país. O foco é a produção do diretor Krzystof Zanussi, que na verdade, não tem ligação direta com nenhuma corrente do cinema polonês. Porém, trata-se de um premiado e prestigiado diretor europeu. Serão exibidas durante toda a semana diversas produções, desde as mais antigas, de 1980 (Constans), até a mais recente, de 2005 (Persona non grata).

O filme daquela tarde era “O Galope”, rodado em 1995, mas com a história situada em um passado não muito distante em que a Polônia ainda vivia sob o regime socialista imposto pela extinta União Soviética. Dentro deste momento político, Hurbert, um jovem garoto do interior da Polônia, tem que se mudar para Varsóvia e morar com uma tia distante. Tudo isso visando driblar problemas com o governo. Chegando na capital ele encontra a sua tia, que foi criada na roça e nutre a mesma paixão por ele: os cavalos.

O que mais impressiona no filme desde o seu início é a direção de fotografia. Luzes bem trabalhadas e cores bem escolhidas dão um traço leve e sensível durante todo o filme. Além da atuação responsável e envolvida da maioria dos atores, que demonstravam em suas atitudes o conhecimento total do sofrimento vivido naquela época de transição do país. Apesar das legendas em inglês que ainda apareciam na tela e de algumas cenas desnecessárias, a produção faz com que a obra não perca seu valor durante todos os cem minutos.

O problema de adaptação enfrentado por Hurbert a um novo mundo mais cruel e malicioso faz com que reflitamos sobre questões simples e importantes que nem sempre reparamos na nossa vida. O contexto histórico é a marca principal deste trabalho, mas a busca pela reflexão é provada em cada cena. Sem que se perceba, já estamos envolvidos nos conflitos do jovem garoto e todas as suas dúvidas e confusões.

A surpresa diferente e interessante no final do filme retrata a genialidade do diretor e explica o envolvimento do elenco e da produção que foram sentidos durante toda a obra. Voltando para casa não consegui parar de refletir sobre aquelas questões levantadas durante o filme. E essa é a beleza do cinema!

Nota – 8

Custo
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)

por Allan Brito

4.11.06

Gabriel Sater – Sesc Vila Mariana – 04/11/06

O Tangadeiro

Antes de chegar no Hall do Sesc Vila Mariana já ouvia o chorinho. Não, o duo de violões ainda não havia começado a tocar, era só um som ambiente, prelúdio do que viria.

Ajeitando as coisas e esperando a hora para começar, os músicos e produção estavam já por ali, conversando, olhando. E ninguém precisava de indicação para saber quem era Gabriel Sater. Gabriel é quase que a fotografia do pai, Almir Sater.

Uma platéia na faixa dos cinqüenta anos esquentava os bancos do lugar, que cheio, viu Gabriel e Negão dos Santos sentarem em suas cadeiras e começarem a tocar. A primeira música foi de seu pai, para a alegria da platéia presente.

O que mais impressiona na técnica de Gabriel é o ataque de sua mão direita às cordas. Soa como uma mistura da pegada de música de raiz com algo mais erudito. Por vezes virtuose, dedilha e puxa as cordas, brincando com o violão sem grandes problemas.

O jovem violonista apresentou músicas notadamente nostálgicas. A maioria das notas que buscava em seus solos, enquanto Negão fazia as bases, eram agudas. Talvez seja influência da música de raiz, que tem a tristeza como um dos temas principais.

De tango a chorinho, de flamenco a blues, o set list escolhido foi bem eclético, e impediu que as toadas de violão caíssem na mesmice daquele sábado à tarde. Ao final, a platéia aplaudiu de pé pedindo bis e os 10 cds que lá estavam à venda acabaram. Valeu a tarde.

Nota – 9

Custos
R$ 0,30 – Doce
R$ 0,00 – (fui e voltei a pé)

Dia 18 estará novamente no Sesc Vila Mariana (confira nossa programação), e prometeu um show diferente, com uma surpresa...

Artistas no Telhado - Filarmônica de Berlim

Berlim Superstars!
Por Helena Piccazio


Pra quem pensa que música clássica é sinônimo de música relaxante, pra dormir, de gente mais velha, mais metido a refinado, tenho que dizer: não é bem assim...

Musica clássica é algo que exige dos músicos muito estudo, mas muito mesmo! Ela pode provocar nos ouvintes sensações de todo tipo: dúvida, nervosismo, tranqüilidade, paixão, eletricidade, alegria e mais uma infinidade que só a musica pode provocar! Imagine que fazer isso da melhor forma possível é muito difícil, e fica ainda mais complexo se juntar 100 músicos, cada um tocando um instrumento diferente, mas todos a mesma musica, como nas orquestras.

Em São Paulo existem muitos estudantes de música clássica (muito mais do que se imagina!) e um dia de 1999 veio para o Brasil pela primeira vez a Orquestra Filarmônica de Berlim. Convenhamos: estudante no Brasil não pode pagar 200 reais por um ingresso! E a Filarmônica de Berlin é simplesmente considerada a melhor orquestra do mundo! Resolvi escrever pra meus amigos e perguntar o que fizeram pra ouvir a Filarmônica de graça.
A violoncelista Marta Carmo do Espírito Santo, natural da Bahia, estava morando em São Paulo para estudar nessa época e conta:
- "Oi!
Artistas no telhado??? Tudo a ver com a minha historia!!!
Você nem acredita, mas eu, a Claudia da flauta, e outra flautista que estudava com a gente na Unesp, fomos parar no telhado no Teatro Municipal, perto da máquina do ar condicionado. Um cellista da Filarmônica de Berlim, que eu conheci no lançamento do cd do grupo de cellos um dia antes, foi super simpático e colocou a gente pra dentro do teatro dizendo: a partir daqui vocês se viram, né? E tentamos subir pra ter acesso a platéia quando um segurança nos viu. Saímos fugindo correndo, entramos no elevador, fomos ate o ultimo andar pensando que estaríamos salvas ali, mas um tempo depois la estava ele de novo.

Então corremos e subimos umas escadinhas, já no teto mesmo, onde tinha uma máquina barulhenta gigante (era o ar condicionado) e nos agachamos ali, bem apertadas, por alguns minutos... eu e a Claudia tivemos a idéia de orar, e assim fizemos, quando de repente o cara abre a porta, acende a luz e nos pega sem saída, hahaha! ate hoje me lembro... Nós dissemos a ele que dali dava pra ouvir a orquestra, e era tudo o que queríamos, só ouvir, já que éramos estudantes sem grana pra comprar um ingresso - que era absurdo na época, uns duzentos e pouco... Então, com a maior cara de serio e bravo, nos chamou para acompanha-lo e mostrou a entrada para a galeria, aquela perto do teto que pra ver a orquestra você não pode ter medo de altura, hehehe... E alem de ouvir, assistimos! Com gosto de vitória ainda!".

Mais histórias dos músicos brasileiros na Filarmônica de Berlim? Na próxima Artistas no Telhado!
Helena Piccazio é violinista

3.11.06

Artistas no Telhado - Filarmônica de Berlim

Berlim Superstars!
Por Helena Piccazio


Pra quem pensa que música clássica é sinônimo de música relaxante, pra dormir, de gente mais velha, mais metido a refinado, tenho que dizer: não é bem assim...

Musica clássica é algo que exige dos músicos muito estudo, mas muito mesmo! Ela pode provocar nos ouvintes sensações de todo tipo: dúvida, nervosismo, tranqüilidade, paixão, eletricidade, alegria e mais uma infinidade que só a musica pode provocar! Imagine que fazer isso da melhor forma possível é muito difícil, e fica ainda mais complexo se juntar 100 músicos, cada um tocando um instrumento diferente, mas todos a mesma musica, como nas orquestras.

Em São Paulo existem muitos estudantes de música clássica (muito mais do que se imagina!) e um dia de 1999 veio para o Brasil pela primeira vez a Orquestra Filarmônica de Berlim. Convenhamos: estudante no Brasil não pode pagar 200 reais por um ingresso! E a Filarmônica de Berlin é simplesmente considerada a melhor orquestra do mundo! Resolvi escrever pra meus amigos e perguntar o que fizeram pra ouvir a Filarmônica de graça.
A violoncelista Marta Carmo do Espírito Santo, natural da Bahia, estava morando em São Paulo para estudar nessa época e conta:
- "Oi!
Artistas no telhado??? Tudo a ver com a minha historia!!!
Você nem acredita, mas eu, a Claudia da flauta, e outra flautista que estudava com a gente na Unesp, fomos parar no telhado no Teatro Municipal, perto da máquina do ar condicionado. Um cellista da Filarmônica de Berlim, que eu conheci no lançamento do cd do grupo de cellos um dia antes, foi super simpático e colocou a gente pra dentro do teatro dizendo: a partir daqui vocês se viram, né? E tentamos subir pra ter acesso a platéia quando um segurança nos viu. Saímos fugindo correndo, entramos no elevador, fomos ate o ultimo andar pensando que estaríamos salvas ali, mas um tempo depois la estava ele de novo.

Então corremos e subimos umas escadinhas, já no teto mesmo, onde tinha uma máquina barulhenta gigante (era o ar condicionado) e nos agachamos ali, bem apertadas, por alguns minutos... eu e a Claudia tivemos a idéia de orar, e assim fizemos, quando de repente o cara abre a porta, acende a luz e nos pega sem saída, hahaha! ate hoje me lembro... Nós dissemos a ele que dali dava pra ouvir a orquestra, e era tudo o que queríamos, só ouvir, já que éramos estudantes sem grana pra comprar um ingresso - que era absurdo na época, uns duzentos e pouco... Então, com a maior cara de serio e bravo, nos chamou para acompanha-lo e mostrou a entrada para a galeria, aquela perto do teto que pra ver a orquestra você não pode ter medo de altura, hehehe... E alem de ouvir, assistimos! Com gosto de vitória ainda!".

Mais histórias dos músicos brasileiros na Filarmônica de Berlim? Na próxima Artistas no Telhado!
Helena Piccazio é violinista

2.11.06

Petit Música - Beatles

Por quê Beatles?
por Luciano Piccazio Ornelas

Quatro moleques doidos por Elvis, que gostavam de comer frango no palco enquanto tocavam, e ganhavam uns tostões tocando, basicamente, música cover. Fizeram uma viagem à Alemanha para se apresentarem em bares e lá ficavam acordados à base de drogas estimulantes. Num destes bares, seu guitarrista foi preso: tinha apenas 17 anos (era contra lei menores tocarem em bares).

Quatro meninos que acabaram se tornando o acontecimento musical mais importante do século XX. Nada influenciou tanto a música popular quanto os Beatles, nada influenciou tanto a moda quanto os Beatles, nada influenciou tanto a indústria artística quanto os Beatles.

Interessante pensar que o século que acabou passou por mais transformações neste curto período do que qualquer outra época da humanidade. Foram duas guerras mundiais, inversões de poder mundial, quebradeiras em bolsas que quase levaram o mundo a caminhos mais escusos do que este em que vivemos. Mas, principalmente, foi o século em que a individualidade surgiu em sua forma mais plena e mais bela.

As mulheres queimavam sutiãs nas ruas, adolescentes colocavam flores em canos de fuzis. E jovens cantavam rock ´n roll.

Beatles começaram cantando músicas simples, de quatro acordes (quando muito). Mas mesmo nestas músicas que muitos consideram não tão importantes, vemos mudanças significativas. Já não se falava daquele amor distante, de um rapaz que idolatra uma mulher inalcançável. Falavam de amores palpáveis, desilusões reais, homens que deixavam mulheres; deixaram de lado o platonismo poético tão comum até hoje.

Depois veio o álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, marco da música ocidental. Para começar, a produção ficou a cargo de Karlheinz Stockhousen, músico erudito contemporâneo considerado por muitos o Beethoven do século XX. As músicas e a concepção do disco retratam uma história que se desdobra ao longo das canções, de uma linearidade genial. Mistura música erudita com popular; e tem a última música feita em conjunto pela dupla Lennon e Mccarney: She´s Leaving Home.

Depois de Sgt. Peppers, um ótimo disco que teve uma péssima recepção do público, Magical Mistery Tour, dá início a fase individualista da banda. Não eram mais aqueles quatro bonitinhos de Liverpool, mas seres imersos em sua introspecção, barbas e drogas, cuja percepção sobre o tamanho de sua fama começava a ficar mais clara.

Não nos iludamos. Nenhum dos quatro Beatles era grande instrumentista. Quando a banda começou, Lennon pensava que guitarra se tocava com quatro cordas (Harrison o ensinou o certo). Paul, o mais musicalmente versado, teve praticamente que descobrir como se tocava baixo, já que baixo elétrico começou a ser fabricado na época em que os Beatles se juntaram.

O que fazia a banda ter essa magia que impressiona até hoje é a junção de quatro elementos. Um grande poeta, um compositor fantástico, um guitarrista perfeccionista e um baterista que criou praticamente todos os grandes riffs populares de seu instrumento.

Beatles é um assombro comercial. O que dizer de uma banda que acabou em 1970 e ficou em primeiro lugar do ranking dos cds mais vendidos em 2001? É a banda com mais músicas regravadas por outros artistas. Paul McCartney foi o primeiro (e até agora único) músico da história a tocar ao vivo para o espaço! Sim, o músico, no meio de um show na Califórnia em 2005, parou de tocar. Abaixaram um telão que mostrou um vídeo ao vivo com os astronautas Bill McArthur e Valery Tokarev, que estavam acordando. Então Paul deu bom dia e começou a tocar Good Day, Sunshine.

A última fase, que acompanhou os quatro em suas respectivas carreiras solo, foi a fase política, engajada. Perceberam o tamanho de sua fama e o poder que teriam em mãos e passaram a usá-la em defesa de outros. All you need is love, Give piece a chance e How Many Peaple são algumas das canções dessa fase.

Aqueles quatro moleques doidos por Elvis, a essas alturas, já tinham músicas suas regravadas por Elvis. Já tinham o mundo em mãos, e um deles, o poeta, chegou a ser morto por isso. Não há como pensar a música popular atual sem pensar em Beatles, sem pensar em Lennon, sem pensar em McCartney, sem pensar em Harrison e sem pensar em Ringo.

Entender o fenômeno Beatles é entender a nossa geração e a de nossos pais. É entender a história e o histórico de atitudes que guiaram estes quatro músicos e seus milhares de fãs pelo mundo. As novas bandas de rock, que hoje não passam de conjuntos de adolescentes mimados e extremamente chatos, poderiam ouvir um pouco mais dessa banda que ainda vende tanto, e que ainda fala tanto.

Luciano Piccazio Ornelas é editor do Blog Arte Free

29.10.06

Causos - Futebol e Ballet

Futebol e Ballet
por Luciano Piccazio

Carmem era quase um homem. Trinta em poucos anos, tinha tudo para virar bailarina, mas escolheu ser jogadora de futebol.

Sua mãe, dançarina profissional, chorava quase todos os dias. Deu educação espartana à pequena, e a pequena foi crescendo, e crescendo, e crescendo. Não sabia bem o que havia acontecido, mas Carmem, criada e educada a passos de plié e grand plié, largou tudo para dedicar-se ao esporte.

Certo dia, depois de um jogo, Carmem foi chamada de canto por uma colega de time. “Carmem, tua mãe está aí, quer falar com você”. Toda suada, fedendo futebol, foi até o encontro de sua mãe, que chorava em prantos.

- Querida, você precisa vir comigo. Seu pai está mal. O coração dele já não era lá essas coisas. Agora parece que piorou.

Chateada de perder o chopp com as amigas, lá se foi a atleta ao hospital. Chegou lá, mas o velho pai, bailarino assim como a mãe, já havia falecido. Triste, Carmem ajudou a preparar as papeladas do enterro, e quase bateu no agente funerário quando este lhe falou o preço dos documentos.

Sua mãe chamou-a de lado.

- Carmenzita querida, tenho que te falar. Que foi, mãe? Seu pai me falou algo antes de morrer. Falou o que? Então, ele tinha um último desejo. Ahn, fala. Você sabe que teu pai te amava muito, né? Sei. Então, ele queria que você dançasse numa apresentação de ballet, ao menos uma vez na vida. Tá me zuando, né? Não, falo sério. Ah, mãe, pelamordeDeus, olha pra mim. Filhinha, por favor, era importante pro seu pai. Parece mais coisa sua. Não é não, se fosse te falaria, por favor, você sabe, desejo de quem ta pra morrer é sagrado, se não cumprir pode dar o maior problema. Já vem você zicando, mãe, porra. É sério.

E foi assim, com tais argumentos tão convincentes, que Carmem, Carmenzita, foi ensaiar para o ballet que a escola de dança de sua mãe apresentaria no final do ano. Já era outubro, então haveria apenas mais um mês de ensaio.

Pularemos a parte dos ensaios e vamos direto à apresentação. O teatro estava lotado de mães vestidas como abajures coloridos e exageradamente perfumados, maridos tentando fazer um social com as mulheres oficiais, crianças catarrentas correndo de um lado para o outro, alunas do ballet preocupadas com a apresentação que, para elas, é nada mais do que a coisa mais importante do mundo.

Na coxia, Carmem lutava, mais uma vez, contra o espartilho. Não havia santo que a fizesse entrar naquilo. Desde o começo dos ensaios já havia rasgado dois, e não queria rasgar mais um. Ao menos não involuntariamente. As sapatilhas foram mais fáceis de entrar, já que haviam mandado fazer um no seu número, 42.

Tudo pronto, Carmem com aquele corpo de um jogador de futebol, totalmente cor de rosa, pequenas penugens aparecendo no rosto. Começa a música “arroz-de-festa” do Tchaikovsky.

De repente, um estalo. Havia tentado ser bailarina no último mês. Obviamente sem sucesso nenhum, já que aquela não era sua praia. Porque não jogar futebol ali, naquele teatro? Claro! Ia dançar como se estivesse em campo, como se fosse Ronaldinho Gaúcho, quando não joga pela seleção.

Então, entrou Carmem em campo. Gramado livre, deu duas piruetas mágicas para se exibir para os torcedores, que vibraram. Quando entrou o primeiro marcador, gingou para a direita, gingou para a esquerda, e deixou o adversário de espacate aberto no chão.

Quantos mais marcadores e companheiros de time chegavam, mais Carmem brilhava. Brilhava e o público ia à loucura. As mães esqueciam de suas filhas e os pais do jogo importantíssimo entre Figueirense e Criciúma que haviam perdido. Aquilo era muito mais interessante. Quando acabou o espetáculo, Carmem saiu comemorando dando socos no ar, como Raí. Saiu de lá correndo e foi para a coxia. Foi para o chuveiro.

Luciano Piccazio é editor do Blog Arte Free

28.10.06

O Masculino na dança – CCSP – 27/10/06

Como ler um corpo que dança

Christine Greiner, professora do Departamento de Linguagens do Corpo da PUC/SP, sobe ao palco. As pessoas ainda se acomodam em seus assentos para assistir às apresentações quando ela começou a falar. Todas as sextas-feiras neste espetáculo, O Masculino na Dança, ela dá uma mini-palestra para o público, com o objetivo de instruir e conversar sobre dança contemporânea, sempre abordando um aspecto diferente.

O tema da palestra foi “A dança contemporânea e jornalismo cultural”. Reclamou que os jornalistas culturais só cobrem as mega-produções, aquelas que custam uma fortuna. Disse também que muitas pessoas ainda não aprenderam a ver dança contemporânea, e vão ao espetáculo ainda com aquele formato do formato do ballet na cabeça – e normalmente se decepcionam.

Apagaram-se as luzes e no palco surge um dançarino com um cachorro Pluto de pelúcia. Começa a se mexer e interagir com o animal, e seu corpo mostra a flexibilidade de uma marionete.

A afeição do personagem pelo bicho de pelúcia, seus movimentos que foram deixando cada vez mais claros sua mensagem e o vídeo que passava enquanto dançava criaram um ambiente que deixou público animado. Comentavam e riam da ótima apresentação de Milton.

O segundo a se apresentar foi Marcos Buiati. Com muitas semelhanças com a primeira apresentação, Marcos também mexia seu corpo como se esse fosse um objeto. A imagem é a de uma pessoa manuseando um objeto, mas o controlador e o controlado são, no caso, a mesma pessoa.

Marcos começou a dançar e não havia música, passos estranhos que mostravam que alguma coisa estava fora de lugar. Quando começou a música, para surpresa geral, parou. Depois de alguns momentos voltou a dançar, e assim seguiu até o fim. Parecia completar a apresentação anterior.

Thiago Arruda Leite foi o primeiro a usar sapatos (os outros estavam descalços), e dançava ao som era um hip-hop, sob um foco único de luz. Porém, aquele foco único parecia não bastar. O hip-hop tem vários estilos de dança, mas todos muito limitadores, sem espaços para criações ou análises dos movimentos. Dentro do foco de luz Thiago não conseguia dançar. Seu corpo, sozinho, chamava-o para tentar novos passos.

Tanto dançava que um segundo foco de luz apareceu, mas esse também não foi suficiente. Veio um terceiro foco de luz. Até a hora em que o dançarino dá um basta, e os focos de luz somem. No som começa a tocar Marvin Gaye, e Thiago mostra toda a dança que sabe, livre de limitações. Ao final, volta o primeiro foco de luz, mas sua volta é triunfal: pode dançar tudo o que quiser dentro do foco de luz, já que agora é livre.

Alexandre Tripiciano, último a se apresentar, é o dançarino urbano. Aquela imagem do malandro paulistano de trinta anos que gosta de Jorge Vercilo e sair pela noite em busca de diversão. Só que os primeiros momentos desse dançar/viver é desesperador, causa agonia e não vem acompanhado nem de música. Quando começa a tocar uma canção de Marcos Valle, o dançarino parece se transformar, do extremamente triste passa ao extremamente feliz, dançando e sambando ao som da música.

Se fosse dar uma nota para cada uma das quatro apresentações, daria 10 para cada uma delas. Apresentações que valeram a pena individualmente e também em seu conjunto. Ao final, ainda tivemos a oportunidade de conversar com os dançarinos, que, junto com a professora Christine Greiner, responderam as dúvidas da platéia.

Nota – 10

Custos – nada
(fui e voltei a pé)

Apresentações:
-Alguém pra chamar de meu bem
Concepção, coreografia e interpretação: Milton Coatti

-Outras histórias:
Direção, coreografia, figurino e apresentação: Marcos Buiati

-Arruda:
Criação e interpretação – Thiago Arruda Leite

-Parabéns
Criação e interpretação – Alexandre Tripiciano

27.10.06

Grupo dos sete – Teatrosamba do Caixote – CCSP – 26/10/2006

“Beba do samba”

O projeto “5° na faixa”, do Centro Cultural de São Paulo, tem se mostrado um eficiente meio de divulgação de talentos. O Grupo dos sete aproveitou esta oportunidade para gravar o DVD de sua montagem “Teatrosamba do caixote”. Mesmo antes das sete horas, horário previsto para o início, o grupo já havia iniciado o espetáculo na sala Adoniran Barbosa, o que confundiu o público recém-chegado ao local.

Seis homens e uma mulher preenchiam o palco, sentados em caixotes, em um círculo, simulando uma roda de samba tradicional. Após a primeira canção explicou-se o motivo do início confuso, ainda sem a presença de todos: aquelas músicas tocadas seriam os extras do DVD, portanto não faziam parte necessariamente do show.

A proposta era a mistura de diversos sambas com cenas de teatro. Eram quatro instrumentos para a música ao vivo: violão, cavaquinho, flauta e recursos de percussão, enquanto os outros três revezavam-se no vocal. Uma idéia interessante que realmente parecia funcionar, pois o público se animava com as músicas alegres e davam risadas com as cenas inseridas no contexto do evento. Poemas diversos foram musicados, enriquecendo cada palavra através dos belos arranjos inseridos.

Porém, o que era para ser mais um atrativo do show tornou-se o grande problema: a gravação do DVD. Desde a espera para que trocassem as fitas das câmeras até a repetição de uma mesma cena três ou quatro vezes, tudo ao redor do público fazia com que nos sentíssemos em um estúdio musical. Quando um erro era cometido, tudo parava e voltava até um ponto anterior, para que a cena fosse registrada com uma suposta perfeição. Por vezes este problema foi motivo de risadas, quando os atores souberam lidar com a dificuldade e criaram piadas para não perder o público. Outras, porém, o clima de descontentamento com aquela atitude era evidente.

Mesmo passando por problemas de entrosamento e errando diversos tempos e letras das músicas, ainda existia intimidade dos atores com o público. E isto acontecia devido ao enorme carisma e talento esbanjado no palco. Contextos históricos das influências naquelas montagens também colaboraram, pois foram apresentados com clareza, como a história da personagem criada pelo engenheiro Alexandre Marcondes Machado: Baronelli, que era italiano e proporcionou as melhores risadas daquela noite, mesmo que tenham sido poucas.

Por fim, ainda houve tempo para duas homenagens a São Paulo, citando o nosso metrô e um clássico poema de Mário de Andrade musicado. Apesar dos diversos erros e das inúmeras repetições de cenas e canções, a mensagem foi transmitida, resumida na música de entrada e de despedida, entoada por todos no final: “Beba do samba, beba da chama também”.

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 8

por Allan Brito

Coluna Crônicas Literárias - 27/10/06

Monsenhor Quixote

Grahan Greene sempre se declarou um apaixonado pela obra do maior autor espanhol de todos os tempos, Miguel de Cervantes, e seu sublime Dom Quixote de la Mancha. Em sua homenagem, Greene escreveu uma parábola, o livro Monsenhor Quixote... (leia mais)

25.10.06

Aldemir Martins – Sesc Vila Mariana – 25/10/06

“Que o mundo é bonito”

Alguma coisa acontece no Sesc Vila Mariana. De longe, assim que passamos a entrada do lugar, já vemos os vidros do Hall pintados; mais uma exposição? Também. Uma mostra de quadros de um artista que morreu no ano passado e deixou para nós um legado de arte expressionista de qualidade altíssima.

Certo dia, uma jornalista perguntou ao desenhista Aldemir Martins o que queria dizer com sua obra. “Que o mundo é bonito”, respondeu.

A resposta, magnífica e simples, não fica só no discurso. Nas obras deste artista brasileiro se refletem a beleza humana e o cotidiano de bichos e gentes de forma contemporânea e compreensível, bela e direta.

Cores fortes, traços fortes e mensagens simples. Pode haver mil interpretações para o quadro Gatão Azul, mas, em suma, é só um gato azul. E isso que é o mais bonito das obras deste artista; ser direto e passar as mensagens simples e importantes, como o desenvolvimento do amor pela natureza para quem vê seus quadros.

Um desenho belíssimo é Cavalo Vermelho, no qual pinta um cavalo visto de frente – tipo de desenho considerado difícil de ser feito.

Além de seus desenhos e pinturas (os dois, na verdade, se misturam), há uma parte da exposição com esculturas do artista. Uma que chama a atenção é a Galo/Vermelho, feita de resina acrílica. São esculturas que despertam o interesse por motivos similares aos dos quadros, como beleza pela simplicidade e traços fortes e “exagerados”.

Avançando mais um pouco, há uma seção que lembra uma cozinha. Nela, estão expostos objetos que levam os traços de Aldemir Martins. Canecas com desenhos seus, latas de tintas, caixas de fósforo e até máquinas de escrever! Nisso, pode-se ver que o artista conseguiu conciliar em sua carreira a arte e sua comercialização. O instinto comercial da Arte Contemporânea.

Dá pra notar a mudança no traço do artista no decorrer dos anos e décadas, e uma das muitas qualidades da exposição montada por Jacob Klintowitz é exatamente expor as obras de modo cronológico. Na década de sessenta, tinha cores gritantes e traços fortes, num estilo expressionista contemporâneo. Depois, fica claro que tenta trabalhar com as várias tonalidades de cinza, sem deixar de pintar quadros laranjas, vermelhos, verdes e afins.

Se for visitar essa exposição (vale o esforço), não deixe de ver o quadro A Flor do Café. É em preto-e-branco, com o desenho de uma mulher que segura uma rosa. A rosa, vermelha, é o único objeto colorido do quadro.

Nota 9,5

Custos
Transporte (fui e voltei a pé)
Café – R$ 1,30

Coluna Gestão Cultural - 25/10/06

Um ônibus para o Jardim Miriam

Desde o dia 7 de outubro, o trajeto que para muitos é uma desesperadora rotina transfigurou-se em arte. Um ônibus, que cautelosamente sai às 14 horas, todos os dias, do Pavilhão da Bienal, tem como destino o Jamac, Jardim Miriam Arte Clube. (leia mais)

Gestão Cultural - Um ônibus para o Jardim Miriam

Um ônibus para o Jardim Miriam
por Claudia Piccazio

Em horário de pico não é nada complicado imaginar como ficam os ônibus na cidade de São Paulo. Andar de ônibus no começo e no final do dia envolve uma rotina extenuante que consome horas dos trabalhadores – por vezes quatro a cinco - e deixa em frangalhos o corpo, a mente e o emocional de quem está lá dentro espremido, bem pior do que uma sardinha em lata. Ir para o Jardim Miriam, zona sul da cidade, nesses horários não é diferente.

Desde o dia 7 de outubro, o trajeto que para muitos é uma desesperadora rotina transfigurou-se em arte. Um ônibus, que cautelosamente sai às 14 horas, todos os dias, do Pavilhão da Bienal, tem como destino o Jamac, Jardim Miriam Arte Clube. Os passageiros deste ônibus fazem parte do público que visita a 27ª Bienal de São Paulo cujo tema é Como Viver Junto - o que, aproveitando a deixa, exige uma infinita tolerância àqueles que se transportam em ônibus comuns. Mas, nesse caso, os passageiros reservam seus lugares com antecedência e viajam de graça.

A curadora da Bienal deste ano, Lisette Lagnado, declarou em entrevistas que “o trabalho criativo transcende as paredes expositivas”. E de fato, as múltiplas e criativas atividades planejadas e discutidas durante todo o ano passado agregaram à Bienal, considerado o mais importante evento internacional de artes, como a curadora mesmo afirmou, valor de um Congresso Cultural.

Porém, o trajeto até o Jardim Miriam percorre um caminho especial. É a forma como, onde e porque os artistas de lá resolveram fazer arte. Pintam muros, praças, casas, escolas de tal maneira que interferem no espaço público e transformam vidas, incluindo as suas próprias.

A artista plástica Mônica Nador, criadora do JAMAC, coloca de forma bem clara a direção desse caminho na matéria As paredes estão ruindo ou sendo pintadas? Assinada por Fernando Oliva e publicada no site http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br

“Em 1996, topei com o texto The End of Painting [1981], de Douglas Crimp. Desde então, nunca mais produzi telas nem realizei individuais em galerias. Ficou impossível continuar com meu trabalho da forma como era. Não penso que a arte possa transformar as estruturas sociais, mas acho cada vez mais difícil o exercício de uma prática que não inclua este fato. Para mim, é impossível trabalhar em um país como o Brasil sem considerar nossa realidade social. Não acho que vou mudar muita coisa, talvez nada, mas não quero passar batido. Há seis anos dedico todo o meu tempo ao Projeto Paredes Pinturas, um conjunto aberto de pinturas murais feito em bairros pobres das grandes cidades e em cidadezinhas do interior. Atualmente eu não tenho mais apego material em relação aos trabalhos de arte. Faço os projetos para os murais em qualquer lugar, no chão, sobre uma mesa qualquer, em cima do joelho... Agora há pouco, lá no Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), fiz um desenho junto com um garoto da comunidade. Nem ateliê tenho mais, só sobrou uma mesa, que costumo usar para ler e estudar. Hoje, meu ateliê é a rua.”

Tudo bem. Há quem diga que não é esse o papel da arte Talvez não seja. Mas, se “uma equipe internacional de curadores viajou o mundo em busca dos artistas que melhor representam os ideais e conflitos da vida contemporânea em espaços compartilhados.” Por que não considerar o espaço interno de um ônibus?

E depois, nada contra, se por causa da arte e pela arte, os moradores do Jardim Miriam, assim como o de todos os outros jardins, forem transportados com a mesma qualidade e conforto do que os visitantes da Bienal. Olha só, vai ser lindo!

Claudia Piccazio é jornalista
Serviço:
Jamac – Jardim Miriam Arte Clube
Ônibus gratuito para visita ao projeto. De 12/10 a 17/12/06. Quinta e dom. (com exceção de 30/11/06) e quarta, apenas 29/11/06. Saída: Pavilhão da Bienal, às 14h. Retorno: Jamac, às 17h. Inscrições com Gabriela Guimarães por telefone (0++/11/5576-7678) ou e-mail (gabriela@bienalsaopaulo.org.br). Visitas individuais, com transporte por conta própria, também podem ser agendadas: segunda, quarta e sexta, entre 13h e 18h, por telefone (0++/11/5626-9720

22.10.06

Reciclasa – CCSP - 21/10/2006

Novas idéias de transformação

A reciclagem se tornou nos últimos anos um dos principais temas nas discussões sobre a preservação do meio ambiente. Apesar de não ser colocada em prática como deveria, grande parte da população já possui os conhecimentos e as facilidades necessárias para que esta excelente ação seja tomada para o bem de todos. O que poucos sabem é que, além da proteção aos recursos da natureza, a reciclagem também faz muito bem aos olhos. A admiração e surpresa com as idéias do projeto Reciclasa eram inevitáveis.

Uma sala, dois quartos, cozinha, escritório e até mesmo um pátio externo foram criados no CCSP. Observando à distância ninguém poderia afirmar seguramente que os materiais utilizados eram recicláveis, tamanho foi o cuidado tomado pelos artistas. E mesmo ao chegar perto é possível surpreender-se: ao lado de cada cômodo da casa montada havia um guia - também feito com papel reciclado, claro – explicando os matérias utilizados em cada objeto e, assim, percebiam-se detalhes ainda mais inusitados.

Desde matérias mais comuns em projetos deste tipo como latas, garrafas e jornal até os mais curiosos, como fibra de bananeira e de coco, bobina de filme fotográfico, tubo de pasta de dente e pneus. A exposição esbanja criatividade e chega a ser espantosa a riqueza de idéias encontradas em cada objeto construído. As disposições das cores em cada local e a similaridade com o lar de qualquer pessoa criam um ambiente familiar cômodo. O que incomoda para que este sentimento seja totalmente recebido são as cordas colocadas para manter distância entre o público e as obras. Porém, elas são justificáveis para que não haja interferências graves em objetos tão sutis e frágeis.

O público que visita a exposição se diverte com a exposição. Em uma mesa da cozinha restaurada com decoupagem havia algumas propagandas antigas para decorar que causavam nostalgias e risadas em todos que reparavam. O tempo gasto em cada cômodo para admirá-lo é grande devido à necessidade de uma cuidadosa observação para que se perceba como foram feitos aqueles objetos, afinal tudo estava muito bem disfarçado. Além disso, famílias acomodavam-se nas poltronas feitas de embalagens plásticas e realmente descansavam, como se não houvesse qualquer diferença entre aqueles bancos e os que utilizamos em qualquer praça, o que mostra como o projeto é totalmente viável e útil à sociedade.

Vale a pena visitar esse trabalho feito com tanto esmero e criatividade. Sinta-se em casa para a visitação!

Custos:
Transporte – R$ 0,00 (ida e volta a pé)
Total – R$ 0,00

Nota – 9

por Allan Brito

21.10.06

27a Bienal da Casa da Xiclet - Casa da Xiclet - 20/10/06

Vivendo longe

Cheguei à Casa da Xiclet. Não havia nenhuma campaínha e o portão estava trancado. Então bati palmas, gritei, e nada. Perguntei ao mecânico do outro lado da estreita rua como chamar alguém da casa, e me disse que havia uma campaínha em cima do muro. Apoiei com minha mão esquerda no muro e descobri que, além da campainha já não estar mais lá, no muro havia um pouco de tinta fresca. Depois de alguns minutos, apareceu alguém de dentro da casa e consegui chamá-lo.

O rapaz chama a Xiclet (Adriana Matos Alves Duarte) e ela vem me abrir o portão. Pede desculpas, diz que o portão normalmente fica aberto e me indica uma torneira para lavar a minha mão, nessa hora, branca de tinta.

É uma casa espaçosa, um terreno agradável incrustado na Vila Madalena. Lá, expõe obras de vários artistas. Abriu a sua casa para visitação, já que, segundo diz, as exposições e ateliês têm apadrinhamentos e ciclos viciosos que impedem a exibição de novos artistas.

E é exatamente em cima da maior feira de exposições do ano, a 27a Bienal de São Paulo – Como Viver Junto, que Xiclet faz a sua propaganda. O nome da exposição que ocorre em sua casa? 27a Bienal da Casa da Xiclet – Como Viver Longe. O movimento, como a própria me disse, não vai exatamente contra a Bienal, mas sim usa a força daquela para promover os novos artistas. Claro que têm divergências de alguns métodos de seleção da Bienal oficial, mas seu caminho paralelo não necessariamente se choca com aquele.

Interessante é o ato de Xiclet. Abrir sua casa, sua privacidade, para que a arte possa se desenvolver. É não ficar parado quando as coisas apertam e criar boas alternativas para que mais e mais artistas bons possam surgir. Ganha dinheiro apenas com as inscrições dos artistas que querem expor, já que não cobra entradas.

E há artistas ótimos lá. Perdi levemente os sentidos ao me deparar com a obra Entrecorpos, de Marcela Tiboni (ao lado). Já havia visto o retrato numa exposição do Instituto Cervantes e indicado-o na ocasião como um dos melhores daquela mostra (leia aqui). Estava lá, colocado no chão ao lado de obras igualmente boas. Deu vontade de abraçar, de embrulhar e levar pra casa. O preço, porém, me fez rir de tal idéia tola (R$1.500).

Outro destaque: as fotografias do publicitário Paulo Falcão, que expõe tampas de bueiro numa coloração meio fosca, trazendo arte àquilo que nem classificaríamos como parte de nosso repertório cotidiano. Bueiros e afins são partes dos “objetos invisíveis” de uma cidade.

A contra-bienal de Xiclet é fantástica. A idéia da arte sem porquês, da arte pelo amor à tinta, à tela, ao choque. Enquanto conversávamos, um dos amigos da galerista subiu as escadarias da casa com uma latinha de spray. Minuto depois voltou bem feliz, chamando a todos. Aquele muro em que eu havia me sujado serviu de tela para o moço, que fez um belo desenho com vários círculos em forma de rosto. Enquanto conversávamos!

Não adianta. Se todas as mãos e pés de todos os artistas do mundo forem cortadas, começarão a desenhar com o umbigo.

Nota – 10

Custos
Transporte – R$ 2,00 (ida e volta no bilhete único)
Café e salgado – R$ 1,70
Total – R$ 3,70

Artistas no Telhado - Vengerov

Vengerov
Por Helena Piccazio

Fazia um bom tempo que não víamos um concerto, eu e meu namorado, que tambem é músico clássico. Aí apareceu um concerto na segunda-feira e o Dimitri Pogorelov, violinista aqui do Conservatório Lynn, tinha ingressos gratuitos. Claro que nós queriamos, mas nem sabíamos que concerto era aquele. Entao alguém perguntou: vocês vão ver o Vengerov na segunda-feira? Caramba!!! O Maxim Vengerov é um dos maiores violinistas da atualidade!

O recital de violino e piano aconteceu no Broward Center for the Performing Arts, em Fort Lauderdale, um teatro lindo e chiquésimo. Os ingressos custavam de 30 a 95 dólares.

Fomos até nossos lugares, que eram bons, lá em cima no mezzanino, com visão total do palco enorme. Lendo o programa percebemos que a pianista que tocaria com Vengerov, Lilya Zilberstein, tinha um currículo tão invejável quanto o dele.

Aí, entraram no palco! Não respiravámos... comecaram com um Adagio de Mozart, extraído de um concerto, mas que funciona muito bem sozinho. Eu sempre tinha visto Vengerov tocando peças virtuoses, mais modernas, com milhões de notas por segundo, e nesse Mozart ele mostrou que sabe fazer de tudo mesmo. Uma música lenta, do período clássico, com som cristalino, frases lindas e cheias de vida! E a pianista maravilhosa, de som limpo e aveludado. Em seguida tocaram a sonata no.7 de Beethoven para violino e piano. Que dizer? Estava perfeito!

Mas o melhor veio depois, na segunda parte do recital, quando tocaram a Sonata no.1 de Prokofief para violino e piano. Que lindo! Pra mim o primeiro movimento foi o auge da noite. Pelo impecável nível técnico, sutileza, diferentes climas e cores de som que conseguiam atingir. Foi demais! A última peça do programa eram 10 prelúdios do Schostakovitch, peças bem curtinhas e muito vibrantes, cheias de ironia, que executaram com perfeição!!!

Então o momento que todos esperavam: o bis. Fica todo mundo esperando o bis pra ver os musicos tocando virtuosismos. Primeiro, foi um prelúdio a mais do Schostakovitch. Depois, com muitas palmas ansiosas, tocaram a Danca Húngara no.5 do Brahms. O público foi ao delírio! Essa música se tornou popular ao ponto de cada violinista a tocar como bem entende, acrescentando ornamentos ao seu bel-prazer. Vengerov tocou demais! Queriamos levantar e dancar! UAU!

Infelizmente ele não deu mais bis... mas saímos de lá felizes de ter visto um recital tão bom! Querendo estudar a madrugada inteira...

Helena Piccazio é violinista

20.10.06

27ª Bienal de Artes de São Paulo – 19/10/06

Vivendo Junto


Esculturas, gravuras, instalações, pinturas, vídeo arte, fotografia. Na 27ª Bienal há espaço para todas as linguagens artísticas viverem juntas. Artistas de diversos países, em diferentes linguagens, sob diversas óticas tratam do tema, que não por acaso é “como viver junto”.

Fotografias mostram o retrato das guerras civis africanas, um dos resultados cruéis de não saber viver junto. Biscoitos de Durepoxi em forma de balas, revólveres e ônibus queimando nos fazem ver como o caos e a violência urbana entrou no nosso imaginário e como convivemos com ela.

Mas há também formas menos agressivas (e não menos criativas) de se conceber a idéia de viver junto: o que dizer da encantadora maquete de Recife feita de açúcar? Recife revisitada, que conta com monumentos como o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel e o Edifício Copan; o mundo inteiro cabe na Recife do açúcar, ou feita de açúcar. Há também uma mesa com inúmeros pães com bandeiras de vários países. A mensagem é simples: somos diferentes, mas essencialmente iguais. Podemos viver juntos.

Entre as instalações, a que mais me chama a atenção, pela violência e criatividade, é uma caixa de papelão gigante, na qual o visitante entra e é obrigado a ver escancarada uma realidade que tentamos o tempo todo ignorar. Livros (Hegel, Foucault, Arendt, Orwell) pregados lado a lado com porcas, parafusos, chaves de fenda e fotos de pessoas mutiladas em acidentes de trabalho ou por fruto de suas próprias loucuras. A sociedade de exclusão, de paranóias, de separação entre pensar e fazer. Será que conseguimos mesmo viver juntos?

O espaço da bienal parece ser menos cruel do que o mostrado nessa instalação; lá, pelo menos, as diversas linguagens artísticas vivem juntas, quando não se complementam, dividem o mesmo espaço, interferindo umas nas outras, construindo novos sentidos, dialogando entre si e o visitante, aproximando-se dele através da interatividade e da inevitável proximidade de quem fala de temas tão recorrentes no cotidiano.

A Bienal é imensa, o sentido e interpretações do tema são inúmeros e relativos a cada visitante; poderia ficar horas discorrendo sobre os milhares de pensamentos que me vieram à cabeça ao olhar cada obra. Mas a Bienal não cabe numa matéria, é necessário ver de perto e viver junto com as obras por uma tarde, para assim compreendê-las por inteiro.

Nota - 10


Custos - 3 reais (R$2 de transporte e R$1 por um salgadinho)

19.10.06

Foto em Cena - A ilusão do real

A Ilusão do Real
por helô Louzada

Não há duvidas sobre as mudanças que ocorreram no mundo a partir do advento da fotografia. Desde o surgimento dos primeiros daguerreótipos, no fim do século XIX (que causaram o encantamento narcisista da burguesia por si própria), a influência da fotografia e do mundo imagem criado por ela foram determinantes na composição do mundo que começava a se desenhar com as revoluções industriais e técnico-científicas.

Com a difusão e popularização das câmeras fotográficas, também surge a mentalidade que compreende o mundo como algo composto de cenas esperando serem fotografadas; fragmentos de realidade transportados para o papel e lá imortalizados. Realidade, qual a diferença entre o real e o fotográfico?

A fotografia ilude por parecer ser a cópia perfeita e eterna da realidade fugaz dessa sociedade nostálgica de si mesma, que passa por mudanças cada vez mais violentas e rápidas. O olhar do fotógrafo que, inconscientemente ou não, corta, enquadra, expõe, controla a luz, não pode ser o retrato perfeito do real. É sempre subjetivo e estritamente ligado à visão de mundo de quem olha e fotografa; clica.
Qual a semelhança entre a fotografia e uma arma de fogo?
Click!

Em um sentido mais metafórico e sublime, a fotografia também assassina na medida em que viola a privacidade e individualidade do fotografado, impõe o ponto de vista do fotógrafo a algo de múltiplas interpretações, eterniza um momento que seria efêmero, transforma aquilo em parte do mundo-imagem, em objeto consumível, que pode ser possuído.

Hoje, a fotografia é parte indispensável do cotidiano, tornou-se um ritual social. Álbuns de família e viagens de turismo são exemplos simples de eventos que só fazem sentido se forem fotografados. Nessa sociedade nostálgica, o álbum de família mostra o espectro de uma família unida e feliz; e as fotos de turismo são entendidas como a prova incontestável da viagem, do status e do divertimento do viajante. Daí outra ilusão da fotografia, temos a sensação de poder possuir o mundo, poder guardá-lo em simples pedaços de papel ou arquivos de computador.

Pode-se dizer então que a sociedade contemporânea é, sem dúvidas, dependente e viciada em fotografia; uma vez que esta constitui um consumismo estético, uma ilusão de aproximação e de posse do mundo, ou até mesmo um simples prazer narcisista. Pensar o mundo atual sem a fotografia é então, impossível; as experiências, sejam elas individuais ou coletivas, só existem realmente se forem registradas, só fazem sentido se forem fotografadas. Que o digam os fotologgers.

Referência: Susan Sontag – Sobre fotografia

Helô Louzada é estudante de história