25.10.06

Gestão Cultural - Um ônibus para o Jardim Miriam

Um ônibus para o Jardim Miriam
por Claudia Piccazio

Em horário de pico não é nada complicado imaginar como ficam os ônibus na cidade de São Paulo. Andar de ônibus no começo e no final do dia envolve uma rotina extenuante que consome horas dos trabalhadores – por vezes quatro a cinco - e deixa em frangalhos o corpo, a mente e o emocional de quem está lá dentro espremido, bem pior do que uma sardinha em lata. Ir para o Jardim Miriam, zona sul da cidade, nesses horários não é diferente.

Desde o dia 7 de outubro, o trajeto que para muitos é uma desesperadora rotina transfigurou-se em arte. Um ônibus, que cautelosamente sai às 14 horas, todos os dias, do Pavilhão da Bienal, tem como destino o Jamac, Jardim Miriam Arte Clube. Os passageiros deste ônibus fazem parte do público que visita a 27ª Bienal de São Paulo cujo tema é Como Viver Junto - o que, aproveitando a deixa, exige uma infinita tolerância àqueles que se transportam em ônibus comuns. Mas, nesse caso, os passageiros reservam seus lugares com antecedência e viajam de graça.

A curadora da Bienal deste ano, Lisette Lagnado, declarou em entrevistas que “o trabalho criativo transcende as paredes expositivas”. E de fato, as múltiplas e criativas atividades planejadas e discutidas durante todo o ano passado agregaram à Bienal, considerado o mais importante evento internacional de artes, como a curadora mesmo afirmou, valor de um Congresso Cultural.

Porém, o trajeto até o Jardim Miriam percorre um caminho especial. É a forma como, onde e porque os artistas de lá resolveram fazer arte. Pintam muros, praças, casas, escolas de tal maneira que interferem no espaço público e transformam vidas, incluindo as suas próprias.

A artista plástica Mônica Nador, criadora do JAMAC, coloca de forma bem clara a direção desse caminho na matéria As paredes estão ruindo ou sendo pintadas? Assinada por Fernando Oliva e publicada no site http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br

“Em 1996, topei com o texto The End of Painting [1981], de Douglas Crimp. Desde então, nunca mais produzi telas nem realizei individuais em galerias. Ficou impossível continuar com meu trabalho da forma como era. Não penso que a arte possa transformar as estruturas sociais, mas acho cada vez mais difícil o exercício de uma prática que não inclua este fato. Para mim, é impossível trabalhar em um país como o Brasil sem considerar nossa realidade social. Não acho que vou mudar muita coisa, talvez nada, mas não quero passar batido. Há seis anos dedico todo o meu tempo ao Projeto Paredes Pinturas, um conjunto aberto de pinturas murais feito em bairros pobres das grandes cidades e em cidadezinhas do interior. Atualmente eu não tenho mais apego material em relação aos trabalhos de arte. Faço os projetos para os murais em qualquer lugar, no chão, sobre uma mesa qualquer, em cima do joelho... Agora há pouco, lá no Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), fiz um desenho junto com um garoto da comunidade. Nem ateliê tenho mais, só sobrou uma mesa, que costumo usar para ler e estudar. Hoje, meu ateliê é a rua.”

Tudo bem. Há quem diga que não é esse o papel da arte Talvez não seja. Mas, se “uma equipe internacional de curadores viajou o mundo em busca dos artistas que melhor representam os ideais e conflitos da vida contemporânea em espaços compartilhados.” Por que não considerar o espaço interno de um ônibus?

E depois, nada contra, se por causa da arte e pela arte, os moradores do Jardim Miriam, assim como o de todos os outros jardins, forem transportados com a mesma qualidade e conforto do que os visitantes da Bienal. Olha só, vai ser lindo!

Claudia Piccazio é jornalista
Serviço:
Jamac – Jardim Miriam Arte Clube
Ônibus gratuito para visita ao projeto. De 12/10 a 17/12/06. Quinta e dom. (com exceção de 30/11/06) e quarta, apenas 29/11/06. Saída: Pavilhão da Bienal, às 14h. Retorno: Jamac, às 17h. Inscrições com Gabriela Guimarães por telefone (0++/11/5576-7678) ou e-mail (gabriela@bienalsaopaulo.org.br). Visitas individuais, com transporte por conta própria, também podem ser agendadas: segunda, quarta e sexta, entre 13h e 18h, por telefone (0++/11/5626-9720

2 comentários:

anderson disse...

muito loko essa iniciativa do jd miriam. seria bom se tdas as periferias do brasil tivessem tal iniciativa ñ só com pinturas, mas com diversas outras manifestações.
parabéns ao JAMAC e a materia deste blogger.

marcia andrade disse...

Gostaria de conhecer melhor o projeto, como faço? meu email:
emia_sp@hotmail.com