2.11.06

Petit Música - Beatles

Por quê Beatles?
por Luciano Piccazio Ornelas

Quatro moleques doidos por Elvis, que gostavam de comer frango no palco enquanto tocavam, e ganhavam uns tostões tocando, basicamente, música cover. Fizeram uma viagem à Alemanha para se apresentarem em bares e lá ficavam acordados à base de drogas estimulantes. Num destes bares, seu guitarrista foi preso: tinha apenas 17 anos (era contra lei menores tocarem em bares).

Quatro meninos que acabaram se tornando o acontecimento musical mais importante do século XX. Nada influenciou tanto a música popular quanto os Beatles, nada influenciou tanto a moda quanto os Beatles, nada influenciou tanto a indústria artística quanto os Beatles.

Interessante pensar que o século que acabou passou por mais transformações neste curto período do que qualquer outra época da humanidade. Foram duas guerras mundiais, inversões de poder mundial, quebradeiras em bolsas que quase levaram o mundo a caminhos mais escusos do que este em que vivemos. Mas, principalmente, foi o século em que a individualidade surgiu em sua forma mais plena e mais bela.

As mulheres queimavam sutiãs nas ruas, adolescentes colocavam flores em canos de fuzis. E jovens cantavam rock ´n roll.

Beatles começaram cantando músicas simples, de quatro acordes (quando muito). Mas mesmo nestas músicas que muitos consideram não tão importantes, vemos mudanças significativas. Já não se falava daquele amor distante, de um rapaz que idolatra uma mulher inalcançável. Falavam de amores palpáveis, desilusões reais, homens que deixavam mulheres; deixaram de lado o platonismo poético tão comum até hoje.

Depois veio o álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, marco da música ocidental. Para começar, a produção ficou a cargo de Karlheinz Stockhousen, músico erudito contemporâneo considerado por muitos o Beethoven do século XX. As músicas e a concepção do disco retratam uma história que se desdobra ao longo das canções, de uma linearidade genial. Mistura música erudita com popular; e tem a última música feita em conjunto pela dupla Lennon e Mccarney: She´s Leaving Home.

Depois de Sgt. Peppers, um ótimo disco que teve uma péssima recepção do público, Magical Mistery Tour, dá início a fase individualista da banda. Não eram mais aqueles quatro bonitinhos de Liverpool, mas seres imersos em sua introspecção, barbas e drogas, cuja percepção sobre o tamanho de sua fama começava a ficar mais clara.

Não nos iludamos. Nenhum dos quatro Beatles era grande instrumentista. Quando a banda começou, Lennon pensava que guitarra se tocava com quatro cordas (Harrison o ensinou o certo). Paul, o mais musicalmente versado, teve praticamente que descobrir como se tocava baixo, já que baixo elétrico começou a ser fabricado na época em que os Beatles se juntaram.

O que fazia a banda ter essa magia que impressiona até hoje é a junção de quatro elementos. Um grande poeta, um compositor fantástico, um guitarrista perfeccionista e um baterista que criou praticamente todos os grandes riffs populares de seu instrumento.

Beatles é um assombro comercial. O que dizer de uma banda que acabou em 1970 e ficou em primeiro lugar do ranking dos cds mais vendidos em 2001? É a banda com mais músicas regravadas por outros artistas. Paul McCartney foi o primeiro (e até agora único) músico da história a tocar ao vivo para o espaço! Sim, o músico, no meio de um show na Califórnia em 2005, parou de tocar. Abaixaram um telão que mostrou um vídeo ao vivo com os astronautas Bill McArthur e Valery Tokarev, que estavam acordando. Então Paul deu bom dia e começou a tocar Good Day, Sunshine.

A última fase, que acompanhou os quatro em suas respectivas carreiras solo, foi a fase política, engajada. Perceberam o tamanho de sua fama e o poder que teriam em mãos e passaram a usá-la em defesa de outros. All you need is love, Give piece a chance e How Many Peaple são algumas das canções dessa fase.

Aqueles quatro moleques doidos por Elvis, a essas alturas, já tinham músicas suas regravadas por Elvis. Já tinham o mundo em mãos, e um deles, o poeta, chegou a ser morto por isso. Não há como pensar a música popular atual sem pensar em Beatles, sem pensar em Lennon, sem pensar em McCartney, sem pensar em Harrison e sem pensar em Ringo.

Entender o fenômeno Beatles é entender a nossa geração e a de nossos pais. É entender a história e o histórico de atitudes que guiaram estes quatro músicos e seus milhares de fãs pelo mundo. As novas bandas de rock, que hoje não passam de conjuntos de adolescentes mimados e extremamente chatos, poderiam ouvir um pouco mais dessa banda que ainda vende tanto, e que ainda fala tanto.

Luciano Piccazio Ornelas é editor do Blog Arte Free

Um comentário:

Carlos Cesar Maia disse...

Oi Luciano,

Gostei da sua matéria sobre os Beatles, intitulada "Por que Beatles ?" No entanto, há um pequena observação que eu gostaria de fazer. A produção do LP "Sgt.Pepper's..", não ficou a cargo de Karlheinz Stockhausen, como você disse, mas do produtor George Martin, também músico erudito, considerado por muitos como o "quinto beatle". No entanto, como o alemão era muito admirado pelos Beatles (sendo que tornou-se amigo de Lennon, amizade que perdurou mesmo após a dissolução da banda), eles resolveram homenageá-lo, colocando uma foto sua na capa do disco em questão. Stockhausen jamais trabalhou com os Beatles em produção musical. Na verdade há uma música, se é que podemos chamar aquilo de música, chamada "Revolution #9", de Lennon, lançada no álbum duplo intitulado "The Beatles" (conhecido como "Álbum Branco"), cujo experimentalismo teve o alemão como inspiração. Mas, foi só isso. Outra coisa, desde o "Rubber Soul" (1965), passando pelo "Revolver", que eles já não eram mais os bonitinhos de Liverpool e a fase individualista da banda começa pra valer a partir do chamado "Álbum Branco", e não a partir do "Magical Mystery Tour". E last but not least, "All You Need Is Love" não é uma composição da carreira solo deles, mas uma música que leva a assinatura de Lennon & McCartney, lançada num single em julho de 1967, apenas um mês após o lançamento do "Sgt.Pepper's..." Abraço, Carlos Cesar Maia