29.7.06

Vanessa Falabella - Fnac Paulista - 28/07/06

Divertindo, distraindo

Ansiosa por uma música de qualidade, selecionei o pocket show de Vanessa Falabella para o início da noite de sexta-feira (28). Uma cantora que interpreta baladas dos anos 70, 80 e 90; era o que eu sabia.19 horas e dez minutos chego na Fnac Paulista, brigando com o inativo trânsito paulistano. O show, previsto para as 7 da noite, começa com meia hora de atraso.

Cerca de 50 cadeiras estavam dispostas no espaço Fnac para eventos, que fica dentro do Frans Café. Todas ocupadas. Um grande cartaz promocional do novo CD, Vibe, exibia o belo rosto de Vanessa com o seguinte convite: “Uma voz suave, arranjos refinados e um repertório irresistível. Experimente novas vibrações”.

Vanessa sobe ao palco que já abrigava o baterista, o tecladista, o baixista e o guitarrista. Superstition, de Stevie Wonder, é sua música de abertura. Voz afinada, embora sem muita força. Já na segunda música, Don't Stop The Dance, de Bryan Ferry, pude sentir que a seleção do repertório foi cuidadosa e agradava a todos os presentes, a mim inclusive. Foi, no entanto, na quinta interpretação que o show de lançamento teve seu clímax: a música Change The World, de Eric Clapton, foi entoada por todos e contou até com participação especial de mais um instrumentista.

Vanessa têm carisma. Por vezes sorria demais e ensaiava algumas coreografias desnecessárias, mas sempre reafirmando ter personalidade. O estilo bossa-novístico colocado nos sucessos estrangeiros deu uma releitura gostosa e dançante. Algumas pessoas que passavam por lá paravam, curiosas, e permaneciam, mesmo sem lugares para sentar.

No curto espaço de uma música para outra a cantora conversava com o público: “Obrigada por estarem aqui. Estou vendo muitas pessoas queridas, valeu”.

Vanessa Falabella entra no rol dos cantores brasileiros como Dani Carlos e Emerson Nogueira, que fazem versões de hits estrangeiros, e que, embora não seja uma tentativa original de se fazer música, podem dar certo.

Feito todos os agradecimentos, Vanessa despede-se de todos às 20:15, desce do palco com uma trilha sonora de aplausos e sobe ao palco novamente: “Gente, não vão embora. Me pediram uma canja de Superstition”, algumas pessoas, mesmo assim, vão embora e Vanessa permanece no palco até às 20:30. Divertindo. Distraindo. Só isso.

Custos:
carona ida e volta + café (2,10) = R$ 2,10

Nota:
6

(Clique nas fotos para vê-las ampliadas. Todas as imagens desta matéria são propriedade exclusiva do Arte Free)

Chico dos Bonecos – Sesc Vila Mariana – 29/07/06

O mundo invisível de Chico


Faltavam ainda quinze minutos para a apresentação de Chico dos Bonecos e duas grandes fileiras de bancos já estavam tomadas no espaço aberto em frente à lanchonete do Sesc Vila Mariana. Para as crianças, foram colocados tapetes coloridos em frente ao palco, e um verdadeiro enxame de pequenos invadiu o espaço.

Dez minutos antes da hora marcada para a apresentação, 16:30, a platéia impaciente entoava gritos de “começa!”. As crianças reforçavam o coro, mas quem realmente puxava os pedidos eram os pais e avós da fileira esquerda. Para acalmar o público, Chico sentou-se em frente aos tapetes coloridos e cantou, bem baixinho, algumas músicas.

A apresentação de Chico dos Bonecos impressiona qualquer idade. Seu show é simples: ele, um microfone e, por vez ou outra, objetos. A partir do momento em que começa a falar, um encantamento toma conta dos presentes. Funcionários do Sesc surgiam de todos os lados para assistir, adolescentes se deixavam levar pelas histórias, avós largavam seus netos para cair na gargalhada. Por vezes eu não conseguia bater as fotos de tanto rir.

Dividido em três, o show de Chico dos Bonecos reservou o primeiro ato aos brinquedos invisíveis. Segundo ele próprio me disse depois do espetáculo, é para mostrar a importância das palavras, da imaginação. Com músicas e histórias, contou uma lenda de como teria sido criada a laranja.

A segunda parte foi dedicada à brincadeira dos jabolôs, um antigo brinquedo que consiste em equilibrar um objeto em um barbante amarrado a dois pedaços de pau (foto 1). Nessa parte, o que mais impressiona é a versatilidade do artista e a forma como ele monta os brinquedos a partir de quase qualquer coisa: uma cobra de caixa de chicletes, por exemplo. Essa mesma cobra se transforma em cachorro, em jacaré, em livros voadores...

Para finalizar, o teatro de bonecos. São duas historietas de tons mais emotivos, na qual as personagens se comunicam através de sons como os da gaita.

O resumo dos três atos? Foi uma apresentação dinâmica do começo ao fim, que espantou o frio considerável que batia naquele espaço aberto.

Após o show, enquanto cantava Milton Nascimento, o mineiro Chico ia guardando seus objetos; e não tinha sossego. Uma quantidade considerável de crianças avançou para conversar com o artista e brincar com seus brinquedos. Ele, pacientemente, atendeu um por um.

Custos – nada (fui e voltei a pé)

Nota - 10

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27.7.06

Sprays Poéticos (Stencil Art) – Casa das Rosas - 27/07/06

Reflexo incômodo

Em meio a uma convulsão nacional e começo de abertura política, artistas na década de oitenta desenvolveram no país a chamada Stencil Art, que misturava os grafites do metrô de Nova Iorque com as pichações-manifesto de Paris. É a Pop Art combinada com frases curtas e ácidas, expostas em muros e outros locais públicos.

A mostra que está agora na Casa das Rosas exibe um pedaço do que melhor aconteceu neste período em que a arte descobria novos caminhos, com formas mais diretas de expressar seu descontentamento. Stencil Art é uma maneira de desconcertar o tradicional, atacar de um jeito quase nada sutil o público, e fazê-lo refletir sobre os problemas urbanos e sobre sua própria existência.


Não há como ficar neutro às provocações dos artistas da Stencil Art. Como esconder o riso quase nervoso depois de, por exemplo, ler o texto de Paulo Leminski para o desenho de Ozéas Duarte? “Nem todo mundo é burro como você pensa. Pensa: nem todo mundo é burro como você”. Se o público gosta? Adora. O grande número de pessoas que visita o espaço - a maioria jovem - demonstra que, tal como os fãs de Antônio Abujamra, as pessoas adoram uma provocação.

Alguns artistas e escritores que se destacam no cenário cultural brasileiro fizeram parte dessa geração, como Fernando Meirelles e Alice Ruiz. Apesar de importante, a Stencil Art não teve continuidade no país, já que os artistas enveredaram por outros rumos em seus mais variados estilos, deixando de lado esta manifestação urbana.

A Stencil Art é a Arte Free por excelência. Uma arte que não encontra barreiras para ser exposta, muito pelo contrário, vai encontrar o público em seus locais de passagem, quase como se encostasse as pessoas na parede para tentar discutir com elas os problemas sociais que dizem respeito a todos.

Uma cadeira velha no meio de uma sala decadente. Grafites e pinturas fazem dela um ser vivo em meio a um limbo, quase como uma alternativa, um fio de esperança, para caos paulistano. Para quem vive na metrópole, fica claro: não há como fugir do urbano, da fumaça, do cinza.

Então, em vez de tentar transformar São Paulo num Ibirapuera, como é o sonho parnasiano de muitos, estes artistas usaram o que a cidade oferece; sua correria, sua face pop, seus tons de cinza, sua beleza nada ordenada. O resultado é um trabalho belo e estranho. Por que a Stencil Art incomoda tanto? Porque é como um espelho que temos medo de olhar.

Custos
Cafezinho - R$ 0,70
Transporte – nada (fui e voltei a pé)
Total – R$ 0,70

Nota – 8,5

(Clique nas fotos para vê-las ampliadas. Todas as imagens desta matéria são propriedade exclusiva do Arte Free)

25.7.06

Museu da Língua Portuguesa - 23/07/06

Domingães do Guimarães


Domingo à tarde e dois museus cheios, até com fila na porta. Parece que os paulistanos resolveram mudar aquela idéia de que domingo é sinônimo de tédio e programa do Faustão, e resolveram ir atrás de cultura e arte oferecidas de graça no recém inaugurado Museu da Língua Portuguesa e na Pinacoteca do Estado.

A intenção inicial era visitar ambos, mas acabei me demorando no primeiro, de modo que não sobrou tempo para ver as exposições de fotografia e arte brasileira em cartaz na pinacoteca.

Mas não me arrependo. O museu da língua é muitíssimo bem pensado e montado, as exposições são ótimas - nem sei se podem ser classificadas dessa forma, tamanha é a interação com o público, que por sinal é bem variado: muitas crianças, famílias, casais e jovens.

O primeiro andar é dedicado exclusivamente a João Guimarães Rosa, autor do clássico Grande Sertão: Veredas. A exposição é montada para dar a impressão de ser uma construção: ao puxar uma corda desce do teto uma página da obra-prima de Rosa, presa por contra-presos de sacos de "terra do sertão"; há tijolos e entulhos de construção onde estão escritos trechos do Grande Sertão, basta observá-los do ângulo correto; além de baldes com água onde no fundo, ao olhar através de espelhos, vê-se trechos da obra também. A montagem exposição pode ser interpretada como uma alusão ao estilo roseano de construir palavras, através de seus criativos neologismos como: amormeuzinho (meu amorzinho), entre outras diversas interpretações pessoais que surgem a cada visitante. Isso que é o mais interessante, a exposição abre espaço para diferentes modos de pensar e entendê-la, pois nas palavras do próprio Guimarães "O sertão é dentro de nós".

Ao subir para o próximo andar no elevador ao som de Arnaldo Antunes, fica o encantamento de poder entrar no mundo do Grande Sertão e de Guimarães através da exposição, e para quem foi e ainda não leu, com certeza, fica a vontade de ler.

O segundo andar abriga uma tela de 106 metros extensão onde são projetados filmes gravados especialmente para o museu, que falam do uso de diversas palavras e expressões do nosso cotidiano. Além disso, ainda há computadores onde se pode pesquisar a origem das palavras e uma linha do tempo que explica o surgimento da língua portuguesa, desde séculos antes de Cristo até os dias de hoje, ressaltando sua importância na cultura e na formação da nossa identidade.

Uma curiosidade é ver um tênis all-star em exposição num museu. Ele, como vários outros objetos, são colocado em exposição ao lado de pequenos textos, que explicam a influência de línguas estrangeiras no português e na cultura brasileira. No caso do all-star, falava-se da influência da língua inglesa.

No terceiro andar fica um auditório onde acontecem atividades até as 17 horas, mas já estava fechado na hora que subi.

Desci ao térreo já pensando na próxima visita a fazer ao museu da língua, já que é necessário muito mais tempo ou mais visitas para poder ver e entender todo o conteúdo que nos é oferecido lá, não só sobre a língua que falamos, mas sobre a nossa própria cultura e identidade.

Nota: 10
Custos: 2,10 de metrô para ir+2,00 para voltar.

Exposição Shoko (Caminho) - Espaço Cultural Citigroup - 21/07/06

A alma feminina em cerâmica

“Queria fazer coisas belas que fossem eternas,
com a energia natural da terra e com a força do calor,
num caminho que não tivesse fim”

Há tempos estava para visitar a exposição de cerâmicas da artista japonesa Shoko Suzuki. Aproveitei uma tarde de segunda-feira tranqüila e fui até o Espaço Cultural Citibank, na Avenida Paulista.

A serenidade é o primeiro impacto no contato com as obras de Shoko. A mansidão com que cada uma das peças foi moldada, as nuances suaves das cores da terra, as cores cruas e as tonalidades cinzas amenizam o olhar.

As primeiras obras expostas logo na entrada datam da década de cinqüenta, quando a artista ainda morava no Japão. São vasos menores, bem trabalhados, demonstram a feminilidade e sensualidade de Shoko. Vê-se claramente a mulher amadurecendo e transbordando para a arte.

“O contato com o ritmo do forno é importante
para captar melhor o ambiente que se forma.
O movimento do forno se integra
ao movimento natural do meu corpo.
Sua suavidade ajuda na minha expressão.
O silêncio e a solidão são parte disso.”

Na década de sessenta, já no Brasil, a artista mantém as cores tradicionais, mas com formatos diferentes, mais arrojados. Em algumas obras, Shoko deixa a tinta escorrer sobre as peças. Parece que, de alguma forma, quer fazer os objetos sangrarem, quer que eles rompam a tradição.

E se na década de sessenta ela quis romper a tradição, na de setenta conseguiu. Os sangramentos, antes pequenos escorrimentos de tinta pelo vaso, viraram borrões. Além disso, bocais entortados e fendas na superfície dos objetos começam a aparecer. A cada década, os bocais diminuem. Como se cada vez mais a passagem se estreitasse.

Seguindo para o próximo decênio, vemos claramente a estruturação de todas as mudanças e tendências dos períodos anteriores. O borrão é a única parte da obra que carrega as cores pacatas dos tons de terra de antes. O resto do vaso tem agora cores fortes, como o roxo. Cicatrizes, lembrando feridas na pele, aparecem. Uma técnica que neste período é bastante usada é a de fazer pequenos círculos redondos emparelhados. A impressão é a de uma pele enrugada.

Através dos vasos, Shoko vai dando indicativas de si, de como a arte abre feridas em sua vida e de como o amadurecimento e mudanças na vida vão modificando seu trabalho. Afinal, quando há tamanha proximidade entre arte e artista, as barreiras que separam um e outro já não podem ser delineadas.

“A queima (quando a cerâmica entra no forno)
é um momento de oração que leva à elevação espiritual.”

Nos anos noventa as cicatrizes viraram flor, as cores tradicionais voltaram, andando lado a lado com tonalidades novas, como a de cor laranja. É a junção das inovações todas com a as velhas tradições.

A parte que mais impressiona, porém, ainda estava por vir. Pela primeira vez, não são vasos os objetos expostos, mas sim pratos. Feita em 2000, a instalação intitulada Andando pelo Cosmos (figura ao lado) é fora do comum. Quando li o título, perguntei a mim mesmo: “como uma pessoa quer caminhar pelo cosmos com pratos?”. A resposta estava ali, era só ver.

A maneira como dispôs as figuras negras nos pratos nos remete à nossa própria recolocação no universo. Nossas diversas formas de tentar achar um lugar no mundo, e entrar em contato com nossos vários eus. Um jeito de caminhar pelas estrelas nos permitindo usar como trampolim as viagens desta artista japonesa, considerada a melhor do país neste tipo de arte.

“Para mim, o movimento da queima tem de ser silencioso,
sem palavras para que se crie o ambiente necessário.
A queima é a mais solitária possível,
o fogo me leva uma coisa sagrada
e o Forno é o meio para chegar,
e também instrumento para que as peças saiam.”

Custos –
nada (fui e voltei a pé)

Nota – 10

Curadoria – Julio Abe Wakahara, Ivone Shirahata,
Lilá Papenburg, Neide Caldas
Vieira, Sonia Bogaz

Exposição Shoko – Caminho
Espaço Cultural Citigroup – Avenida Paulista, 1.111

(Imagens feitas por Claudia Piccazio com exclusividade para o ARTE FREE)

22.7.06

Sesi Jazz & Blues (T.M. Stevens) – Sesi – 21/07/06

Tocando para milhões

Estava eu no segundo subsolo do prédio do Sesi, esperando para conversar com os caras do Hutmold, quando vejo passarem garrafas de vinho e de pinga indo em direção camarim. Era a apresentação de T.M. Stevens sendo preparada.

Com quinze minutos de atraso, abriram-se as cortinas e todos tomaram um choque: viam no palco três pessoas vestidas de forma estranha e com uma pintura africana no rosto. Seu som alto, pesado e funkeado logo fez com que a platéia não mais conseguisse ficar parada. Ao som do refrão “shake your muddy maker”, da música de James Brown, o líder da banda pediu que todos se levantassem, e foi obedecido.

Em inglês (por vezes pedia a ajuda de um tradutor), o vocalista falou diversas vezes sobre as raízes africanas do grupo, tendo dois dos três integrantes nascido no bairro novaiorquino do Bronx. Também falou à platéia que, naquela noite, não havia mais brasileiros nem americanos, apenas pessoas. Falava sempre gritando, como num mega show de rock.

E o espírito era o de um mega show mesmo. Tocavam como se estivessem tocando para milhões, e logo o público entrou na brincadeira. Quanto mais a apresentação caminhava, mais quente ficava o lance.

Então Stevens chamou mulheres da platéia ao palco, e pediu para dançarem, já que, segundo ouviu, “todo brasileiro sabe dançar”. A performance das garotas não condisse com a opinião do vocalista, e ele então convocou alguns homens para subir também ao palco. Mais do que depressa, os namorados das garotas em questão pularam para o tablado e agarraram suas companheiras (foto ao lado).

Stevens, que já acompanhou Miles Davis, Steve Vai, James Brown e outros, é o que se pode chamar de virtuose sensitiva. Sabe tanto tocar numa velocidade incrível, quanto dizer muito com poucas notas. Virtuose, na realidade, pôde ser encontrada em toda a banda. Nos solos que fizeram na última música, mais demorados que os outros, mostraram habilidade e competência de sobra. Porém, apenas Stevens soube reduzir durante seu solo a velocidade frenética para uma quase lenta, isso sem perder em nada a qualidade.

De carisma impressionante, o grupo não demorou muito para conquistar a platéia. Fãs extasiados vibravam a cada solo ou virada de bateria, e se esforçavam para entender a letra dos refrões, e assim poder acompanhá-los em voz alta. Igualmente empolgados estavam os músicos, que não paravam de falar sobre a platéia e o Brasil (era sua primeira vez aqui). Ao final, chamaram os funcionários do Sesi que trabalhavam naquele show (foto abaixo), seja no som ou na produção, para subir ao palco e agradecer ao público junto com eles, dizendo: “foram essas pessoas que fizeram tudo acontecer”.

Custos
Sanduíche e suco – 2,80
Cafezinho – 0,70

Banda
T.M. Stevens – baixo e vocal
“Master Blaster” Michael Barnes – guitarra
Gman - bateria

Set List
1.Intro... Califórnia – 2.Mama said – 3.Sticky wicked – 4.Go my way – 5.Turn me on – 6.The gift – 7.River Flow - 8.Shocka Zooloo – 9.I´m a believer – 10.Thumb – 11.Raw like sushi – 12.What about love

Sesi Jazz & Blues (Hurtmold) – Sesi – 21/07/06

Pocket Show

Histórias, imagens, lugares passam pela cabeça ao ouvir Hurmold. É como se viajássemos pelos quadros de Van Gogh, belos e esquizofrênicos.

Reclinei confortavelmente na minha cadeira, assim como a maioria dos espectadores do teatro. Não era uma música virtuosística, ou para nos tirar do chão. Era um sentir-se bem com o som feito, sem grandes pensamentos, sem grandes ideologias; apenas tínhamos de deixar a música fluir. Em cada uma delas, mil pensamentos passavam pela mente.

O som da instrumental Hurtmold, em alguns momentos, lembra o de John Cage. Em outros, um Frank Zappa mais ameno. Mas nenhuma dessas definições pode plenamente rotular esta banda. Nem eles próprios sabem. Imagine um tipo de música instrumental sensitiva de toques minimalistas, por vezes atonal, com temas e estrutura de música popular.

Enquanto a cozinha (baixo e batera) dá o tema para a pintura, a percussão tempera, as guitarras com rifs estranhos vão confundindo a nossa cabeça e os sons esquisitos de teclado e escaleta terminam o trabalho de nos tirar do rumo normal de uma música.

Quem fechasse os olhos podia perceber de que modo ela estava sendo feita: era como se os instrumentistas procurassem, tateando no escuro, um elemento novo a cada instante para ser adicionado àquele quadro.

Show curto, de apenas cinqüenta minutos. E sem bis. Após o final, fui até o segundo subsolo conversar com os caras da banda. Perguntei quais seriam as principais influências, quais os artistas prediletos, em quem se inspiram. A resposta: ninguém em especial. Segundo eles, se juntam para fazer música e só. Não conversam sobre estilos, apenas sobre o som.

Sobre o fato de o show ter sido tão pequeno, a resposta foi estranha. Falaram que, por ser uma música instrumental e não totalmente “comum”, uma apresentação de cinqüenta minutos estava de ótimo tamanho; como quem diz que as pessoas não agüentariam mais do que isso. Porém, não foi isso que ouviu-se na saída do show. As pessoas adoraram, e muitos se perguntavam ao final sobre o porque dele ter acabado tão cedo. Adoraram e queriam mais, só se esqueceram de pedir bis.

Custos – nada (fui a pé)

Nota – 8,5

Set List –
1.Smootz da police – 2.Rejeira – 3.Sova – 4.Amansa louco – 5.Sapers – 6.Medley com Mestro e Música política para Maradona cantar

Banda -

Fernando Gappi – bateria
Guilherme Granado – teclado, vibrafone e trompete
Marcos Gerez – baixo
Mário Cappi – guitarra
Maurício Takara – bateria, vibrafone e trompete
Rogério Martins – percussão e clarinete
(Clique nas fotos para ampliá-las. Imagens feitas pela fotógrafa Flávia Salvador exclusivamente para o ARTE FREE)

20.7.06

Sesi Jazz & Blues (Thaíde) - Sesi - 20/07/06

O valor do carisma


É impressionante o que a presença de palco faz com um show. Eram apenas quatro, sem instrumentos para ocupar espaço. No meio, Thaíde, famoso MC (Mestre de Cerimônias) precursor do hip-hop nacional (junto com o Dj Hum). Formando um “V” a la Power Rangers, GTA e Jubarte, outros dois MC´s que faziam apenas uma voz de fundo. E por falar em fundo, no fundo, não tão no fundo, o DJ Spaiq, e sua roupa azul, que mais parecia um pijama.

Show pontual, auditório nem lotado nem vazio. Mas bastou o MC “entrar na área” para a platéia se animar – e muito. Um cara relativamente baixinho, e muito engraçado, que até fez com que todos se levantassem das cadeiras confortáveis do auditório para pular, repetir o refrão das músicas e balançar a mão enquanto ele rimava.
Thaíde realmente me impressionou. Acho que preciso rever meus conceitos sobre o rap e o hip-hop, porque a qualidade do show, quase sem produção, foi impressionante. A apresentação teve até direito a um medley com suas músicas antigas.

Dj Spaiq – é, é assim que se escreve mesmo - deitou e rolou nas pick-ups, e tirou sons oriundos de lugares nunca dantes visitados pelos tímpanos humanos. Pelo menos os meus. Apesar de ainda achar que o rap está mais para a poesia do que está para a música, eu até balancei as pernas no ritmo da batida e dos “scratchs”. Mas não, não tive coragem de balançar o braço. Um ponto fraco é que achei o espetáculo um tanto quanto curto. Não sei se foi porque realmente foi ou porque foi tão legal que nem vi o tempo passar.

Simpatissíssimo, o rapper, MC, ou como quiserem chamar, até chamou um homem no palco para tirar foto do conjunto, e praticamente arrancou o produtor para cantar uma música com ele. Cheio de rimas inteligentes, saindo da mesmice de rimar particípios e gerúndios, e com uma crítica de resistência ao sistema, Thaíde mostrou a qualidade de sua música. Uma poesia que prega o respeito, paz, dá conselhos, enfim, muito saudável.

Para finalizar, peço permissão ao meu caro amigo Luciano para fazer uso de sua personagem: a moça das maracas. Sim, ela veio ao show para enfernizar o público, mas, dessa vez, com palmas e gritos muito estranhos. Mas teve um atenuante. Ela dormiu no meio do show. Acordou antes de acabar, bateu mais um pouco de palmas, deu mais alguns urros e foi embora. Me arrependi de ter feito graça e pedir um cigarro à ela antes de começar o show (o Luciano, que foi comigo, havia me mostrado a pessoa). Ela me deu três e me mandou fumar todos acendendo um no outro. Fiquei com medo.


Thaíde no Sesi foi:

MC Thaíde
MC GTA – backing vocals
MC JUBARTE – backing vocals
DJ Spaiq – pick-up´s, samples, e outros apetrechos eletrônicos


Débito:
Ônibus para ir e carona para voltar – 2 reais


Quesito show:
presença de palco - 10
som - 10
produção - 5
luz - 7
média - 8

Sesi Jazz & Blues (David Honeyboy Edwards) – Sesi – 19/07/06

Quarto adentro

Um senhor de noventa e um anos entra no palco como se entrasse em seu quarto, sozinho. Como se estivesse quarto adentro, sozinho, afina o violão com calma e começa a cantar um antigo blues.

O som sujo e rasgado de seu violão folk invade os ouvidos do público que lotou o teatro do Sesi. Com uma simplicidade incrível, David Honeyboy Edwards ia tocando sozinho como se sozinho estivesse, sem preocupações terceiras, sem hora para dormir, sem produtores de música para agradar. Tocava para si, e isso agradava a todos.

Gritos caubóis vindos da platéia davam uma pequena dimensão da alegria do público. Não demorou para que percebessem que aquele show era uma oportunidade única. Era o blues, encarnado num simpático velhinho. Um som tirado das duas palhetas de mão e uma voz anasalada e rouca soava mais como um lamento de um prisioneiro do que propriamente uma canção. Era o blues.

Ouvir David Honeyboy Edwards e outros de sua geração é entender um pouco da música de hoje. É entender o rock, o soul, o jazz, o pop e tantos outros estilos. Foi nestas mal-traçadas cordas, e mal-traçados instrumentos de outros tão bons ou melhores que ele, que nasceu praticamente tudo que temos hoje na música popular mundial.

Depois de umas quatro canções, Honeyboy, que, como já disse, parecia estar sozinho em seu quarto tocando livremente, recebeu visita. Um gaitista de cabelos brancos abriu a porta e pediu licença. Sentou e começou a conversar com Honeyboy. Em música, é claro.

Honeyboy trocou então o violão pela guitarra, e o mesmo som sujo de um instrumento se pode ouvir em outro. Foi a apoteose do público, que não acreditava no que via e ouvia. Músicas simples, do jeito que eram na juventude do músico, em meados dos anos 40.

Ao meu lado, na primeira fileira, um expectador chorava. Ouvia-se por toda parte comentários feitos em baixa e em alta voz sobre seus solos, seus cantos, sua presença.
E foi realmente um momento raro, desses que a gente não acha que pode acontecer por aqui. Aconteceu. De graça.

Depois do espetáculo, Honeyboy atendeu ao público no subsolo do teatro e distribuiu autógrafos. O músico Theo Werneck, que tocou neste festival dia 14, estava lá; é fã de carteirinha. Estava lá, tirou foto, conversou com o músico e saiu com um sorriso de orelha a orelha. Não era para menos.

Custos – nada (voltei a pé)

Nota – 10

Banda –
David Honeyboy Edwards – voz, violão e guitarra
Ivan Márcio – gaita
(Imagens feitas pela fotógrafa Flávia Salvador especialmente para o ARTE FREE)

Sesi Jazz & Blues (Patrícia Marx) – Sesi – 19/07/06

Espetáculo Zen

O holofote procura a estrela e não acha. As cortinas do palco do Sesi estão abertas, a luz está apagada, os músicos estão em cena. Tudo está lá, menos a cantora. De um lado para o outro, o foco de luz procura doidamente achar seu objeto de desejo. Quando entra Patrícia Marx, ele ainda está em sua obstinada busca. Muito educadamente, ela espera a luz do holofote ir pegá-la e a conduzir suavemente até o microfone.

De turbante verde, um banquinho e um incenso atrelado ao pedestal do microfone, Patrícia se aconchega sem grandes problemas e começa a cantar Billie Holiday. Assim como ela, a banda de jazz que a acompanha também se sente à vontade. Tocam sem problemas e com uma sincronia de fazer inveja.

O show foi melhorando aos poucos, e teve como ponto de subida tangencial a mudança de repertório de Billie Holliday para Elisete Cardoso. Tirou o turbante, o rosto dos músicos mudou e ela saiu da frente do pedestal para ganhar o palco e o público. Sua voz, antes tímida, cresceu. A cada música melhorava, e o público ia crescendo com a banda.

Sua voz tem um tom intimista, que varia de estilo drasticamente: vai desde o rouco de João Gilberto até o alto e estridente de Elis. Ouví-la é igual a ouvir uma mãe cantando para o filho dormir. A voz é bela e aconchegante, e, por mais que por hora e meia pareça falhar (só pareça), não perde sua doçura.

A Show-girl Patrícia Marx tem voz de quem estudou em conservatório por muitos anos. Alta qualidade técnica; talvez muito estudada para as canções de jazz americano, que exigem um pouco mais de rouquidão e improviso, mas realmente boas para as brasileiras.

Apesar de desinibida e imagética durante as músicas, Patrícia se mostrou envergonhada ao conversar com a platéia, o que deu uma mistura interessante. Enquanto falava, mantinha os olhos fixos no chão e dizia pequeno, como um passarinho.

Curta, a apresentação acabou com apenas 55min, além de duas músicas de bis. Saíram de palco, e o que se ouviu então foram gritos de entusiasmo vindos do camarim. Comemoravam a bela apresentação.

Pouco tempo depois fui ao primeiro subsolo conversar com a cantora, que chegou feliz da vida comendo um bombom de chocolate. Patrícia me revelou que as duas cantoras homenageadas da noite, Billie Holiday e Elisete Cardoso, além de inspiração para si, serviram de material para o projeto de pesquisa que realizou por dois anos na Inglaterra. O resultado desta pesquisa foi o trabalho com composições próprias da cantora, concretizado em cds lançados no Brasil.

Custos – nada (fui a pé)

Nota – 8,0

Banda –
Patrícia Marx – voz
Giba Estebez – piano
Fábio Sá – contrabaixo
Richard Montano – bateria
Faba Jimenez – violão

Set List – EM BREVE

Sesi Jazz & Blues (Pau Brasil) – Sesi – 18/07/06

“E o forró vai virar jazz”

Parecia uma festa de cinco amigos para muitos convidados. Como se fossem donos da casa, os integrantes da banda Pau Brasil entraram sossegadamente no palco e assumiram suas posições.

Com sorrisos despreocupados, tocaram a primeira música, Jongo, e o público caiu para trás. A qualidade sonora do grupo é fora de padrões de comparação, e a leveza e facilidade com que tocavam dava ao show um toque mágico. Ninguém entendia como. A receita, porém, é simples: basta misturar num caldeirão Nélson Ayres, Paulo Belinatti, Teco Cardoso, Rodolfo Stroeter e Ricardo Mosca e acrescentar uma amizade de anos.

O som que fazem, que eles próprios classificaram durante o show como sendo um jazz com baião, é de fazer inveja a fanáticos por música em qualquer canto do planeta. Falam sem dizer palavra, e até o baterista, em seu solo, conseguiu tocar a melodia da música em questão somente com bumbos, caixas e pratos.

Divertiam-se todos no teatro; músicos e platéia. Extremamente engraçados, os integrantes do Pau Brasil encenavam e brincavam no meio das músicas, e Teco Cardoso, o mais engraçado da turma, fazia o público rir em vários momentos com suas caretas e gestos.

Baioneta, composição de Paulo Belinatti que mistura vários estilos sonoros e tendências distintas, foi a apoteose humorística da noite. Os instrumentistas falavam entre si pelos pequenos trechos de músicas famosas que tocavam, como o da Pantera Cor-de-Rosa e o de Day Tripper. Nelson Ayres perguntava com o hino brasileiro e ele próprio respondia. O hino americano.

Não há como eleger nenhum destaque para este show. Segundo o próprio Nélson Ayres me falou após o espetáculo, é uma banda, e não apenas músicos juntos. Porém, se for para lembrar de apenas um momento que ficou marcado, não há como não falar do solo magistral do baterista Ricardo Mosca apenas com pratos e ximbau, que, ao final do show, levantou para agradecer aos aplausos sem parar de tocar a bateria.

Pela primeira vez no Festival Jazz & Blues, todas as pessoas presentes no teatro respeitaram a banda, e não havia ninguém querendo aparecer gritando palavrões ou besteiras nos intervalos de músicas. O teatro não estava lotado, e quem lá se encontrava assistiu a um show que seguiu impecável de ponta a ponta.

Fecharam-se as cortinas e ninguém saiu do lugar. Todos pediam bis, e as cortinas foram reabertas. Os músicos voltaram ao palco para explicar que não poderiam tocar mais, pois o palco seria preparado então para a próxima apresentação do dia, de Zimbo Trio.

Nota – 10

Custos – Nada (fui a pé)

Banda –Rodolfo Stroeter – contrabaixo
Paulo Belinatti – violão
Nelson Ayres – piano/teclado
Teco Cardoso – flautas e saxofone
Ricardo Mosca – bateria

Set list –1.Jongo – 2.Baião do sapateiro – 3.Ciranda – 4.Bachianas nº5 – 5.Baioneta – 6.Pulo do gato – 7.Fogo no baile

Sesi Jazz & Blues (Zimbo Trio) – Sesi – 18/07/06

Piano-bar

Uma apresentação forte, pulsante. Piano, baixo e bateria deslizaram pela estrada da história da música brasileira sem pedir permissão. Passaram e levaram consigo uma platéia lotada do Sesi, que embarcou de carona na viagem e relembrou alguns dos bons clássicos da nossa música.

Uma sensação de que estávamos em um piano-bar caríssimo, desses que só levam os melhores músicos para se apresentar e as mais ricas pessoas para comer. Faltou a mesa e a comida, mas nada que a imaginação não possa fazer.

As viradas criativas de bateria e a empolgação de Rubinho Barsotti faziam público aplaudir constantemente seus solos. Como a base das músicas era levada pelo baixo e pela mão esquerda do piano, ele podia flutuar livremente por entre as canções.

Uma das características mais marcantes desta banda é a alegria com que tocam. O sorriso no rosto dos três e o evidente prazer que estavam tendo naqueles momentos eram evidentes. Lá estavam centenas de pessoas apaixonadas por música brasileira, e aqueles três instrumentistas eram exatamente o elo de ligação entre um e outro.

Carismáticos, aproveitaram a pausa antes da última música para agradecer ao Sesi, e foi neste ponto que o pianista Amilton Godoy fez um pequeno gesto que acabou por ser um dos mais bonitos de todo o Festival Jazz & Blues. Leu o nome de todos os funcionários da casa que estavam trabalhando no evento e pediu que todos os aplaudissem. Pequeno gesto de muito valor para aqueles funcionários.

Para provar que a Lei de Murphy funciona, um problema técnico acabou atrapalhando a última música. Um microfone que não estava sendo usado ficou ligado e reverberou um som que atrapalhou bastante a música. Amilton parou de tocar, pediu para desligarem o microfone e retomou a canção do ponto em que estava. Sem problemas.

Custos – nada (voltei a pé)

Nota – 8,0

Set List –
1.Domingo no parque – 2.A felicidade – 3.Avião – 4.Tempo feliz – 5.Zambi – 6.Este mundo é meu – 7. Medley de músicas sete músicas de Milton Nascimento – 8.Beatriz – 9.Gabriela – 10.Aquarela do Brasil

18.7.06

Sesi Jazz & Blues (Violeta de Outono) – Sesi – 17/07/06

Tributo a Syd Barrett

Quatro horas antes do show começar, uma fila já havia se formado em frente Sesi para conseguir ingressos para o show do Violeta de Outono. Como a bilheteria abre sempre com três horas de antecedência, os fãs não quiseram se arriscar e fizeram ponto naquele local. Tinham razão, pois rapidamente os bilhetes se acabaram.

O show começou com as cortinas ainda fechadas. Um teclado distorcido fazia um fundo musical para aquele grande pedaço de pano vermelho que, quando se abriu, mostrou um palco com quatro músicos. Nenhum deles no centro.

Psicodelia bem ao estilo Pink Floyd na primeira música. Teclados altamente viajantes, baixos andantes, bateria simples e solos de guitarras com muitos bends, além de vocais de difícil entendimento. Na metade da primeira música, uma surpresa: a letra era em português. Teoricamente, a apresentação era em tributo ao Pink Floyd, mas a banda dedicou a primeira parte do show à músicas próprias. As duas bandas têm estilos musicais bem similares, com a mesma proposta musical que nos leva a uma viagem psicodélica.

Muito emocionado, o tecladista e pianista Fernando Cardoso falou sobre Syd Barrett, o fundador da banda Pink Floyd, homenageado da noite. Há um bom tempo a banda havia escolhido tocar um tributo à Syd Barrett no Sesi Jazz & Blues, mas o fato do guitarrista ter morrido nesta semana deu à apresentação um toque muito mais especial, quase ritual.

No meio do show, os músicos saíram do palco e começou a rolar um vídeo sobre a vida de Syd. A música de fundo parecia de terror, mas a idéia foi boa. Depois, os músicos voltaram ao palco e começaram a tocar só Pink Floyd. A grande surpresa foi que as músicas covers que tocaram eram bem menos viajadas do que as próprias, e pior executadas também. Nestas, a banda freqüentemente se desencontrava, e o som parecia artificial.

A idéia geral do show era a de não haver nenhum pólo atrativo de atenções. Depois da metade da apresentação, um vídeo que parece com aqueles que são mostrados no Windows Media Player passava de fundo do palco. A intenção era promover uma viagem sensitiva, que aguçasse muito mais o interesse do público pelas emoções sentidas do que pela música em si.

Proposta boa, execução ruim. A segunda parte do show deixou a desejar, e duas ou três pessoas por música se levantavam para ir embora. Se levantavam também porque a apresentação demorou mais de duas horas, quando o previsto é uma hora. O público que ficou, que em idade era mais crescido do que os fãs de Ludov, em educação e respeito perdiam muito àqueles. Não havia intervalo de música em que não se ouvisse muitos comentários inúteis, palavrões, ideologias vazias e, claro, os gritos de “toca Raul”, que há anos deixaram de ser engraçados.

Banda –
Fabio Golfetti – guitarra e vocal
Gabriel Costa – baixo
Claudio Souza – bateria
Fernando Cardoso – teclados e vocal

Set List –
1.Intro + Noturno deserto – 2.Vênus – 3.Mahavishnu – 4.Outra manhã – 5.Em toda parte – 6.Blues – 7.Eyes like butterflies – 8.Cartas – 9.Júpiter – 10.Lunática – 11.Astronomy domine – 12.Arnold Layne – 13.See Emily play – 14.Lúcifer Sam – 15.Matilda Mother – 16.Flaming – 17.Interstellar Overdrive – 18.The Gnome – 19.Chapter 24 – 20.Scarecrow – 21.Bike – 22.Jugband Blues

Custos:
Nada (voltei a pé)

Nota: 6,5

Sesi Jazz & Blues (Ludov) – Sesi – 17/07/06

Maracas do inferno

“Pra onde eu vou, venha você também”. O convite, que é um trecho da música dos Mutantes Fuga nº2, foi cantado logo no começo da noite, e se encaixou perfeitamente no espírito da apresentação. A impressão era a de que estávamos em um daqueles festivais a céu aberto, na grama.

O show do Ludov foi em tributo aos Mutantes, e foi esse também o motivo dos integrantes da banda entraram fantasiados, como fazia o grupo homenageado em seus shows.

Com convidados especiais como Tatá Aeroplano, do Jumbo Electro, a banda tinha um “quê” de Belle & Sebastian, com teclados a lá Granddady. Uma releitura muito especial das músicas tão consagradas (e algumas desconhecidas) da banda de Rita Lee e Arnaldo Baptista.

Uma das coisas que mais impressiona é a voz de Vanessa Krongold. A sensação que há quando a ouvimos é a de que estamos deitados na praia de olhos fechados. Na música Baby, primeira lenta na noite, sua voz grave e macia fez arrepiar o público presente. Mais do que os arranjos leves e psicodélicos, bem ao estilo experimental, a voz de Vanessa foi o elemento de união entre aquele esquema “Woodstock” proposto pelo grupo e o público que, em sua maioria, estava lá para ouvir os rocks também experimentais dos Mutantes em sua forma mais tradicional.

Todos os integrantes da banda são multi-instrumentistas, e ficam circulando no palco de música em música, de instrumento em instrumento. O som conjunto é forte e há uma boa comunicação visual dos músicos com a platéia. Arranjos, por vezes superiores aos originais, fizeram uma amiga minha, que dizia odiar Mutantes, desabafar: “esse show é para fazer a gente mudar de opinião, viu?”.

No meio do show, Tatá Aeroplano teve uma idéia. Porque não, na música Cantor de Mambo, distribuir maracas e pandeirolas para o público? Saiu então pela platéia dando os brinquedinhos, e até eu peguei o meu. Que idéia infeliz a dele! Uma senhora sentada na primeira fileira, com olhar obsessivo, começou a tocar sua maraca freneticamente nas canções, pausas e intervalos. Não havia santo que a fizesse parar, e o fato atrapalhou consideravelmente a apreciação das musicas seguintes.

Mesmo com o fator “maracas”, o show prosseguiu e a banda manteve o pique de antes. O público, jovem, agora já não estava tão atento e toda hora olhava para a senhora das maracas. Os espectadores balançavam a cabeça nas baladas, e se embalavam cantando baixinho nas canções famosas da banda.

O show ficou com um gostinho de quero-mais. A banda não tocou nenhuma música de sua autoria, e, ao final da apresentação de 1h30 podia-se ouvir os comentários do público: assim que chegassem em casa iriam procurar conhecer melhor o repertório próprio do Ludov.

Set List –
1.Technicolor – 2.Fuga nº2 – 3.El Justiciero – 4.Vida de cachorro – 5.Portugal de navio – 6.It´s very nice pra xuxu – 7.Baby – 8.Virgínia – 9.Cantor de mambo – 10.Desculpe babe – 11.Ando meio desligado – 12.Balada do louco – 13.Loki – 14.2001 – 15.Rita Lee – 16.Não vá se perder por aí – 17.Minha menina – 18.Top Top

Banda –
Vanessa Krongold
voz e percussão

Mauro Motoki
teclado, guitarra e voz

Habacuque Lima
guitarra, violão, voz e percussão

Fábio Pinc
teclado, violão, baixo, voz e Glockenspiel

Eduardo Filomeno
baixo e guitarra

Paulo Rocha
bateria e percussão

Tatá Aeroplano
voz, percussão e efeitos especiais

Custos – Nada (fui a pé)

Nota – 8,5

Ilusão de Verdade - Sesc Pompéia - 16/07/06

Um misto de ilusão e realidade
O ambiente escuro, com imagens reproduzidas como sombras em tecidos que serviam de parede para a caverna, abre a exposição “Ilusão de Verdade”, no SESC Pompéia. A exposição é uma realização SESC São Paulo e conta com a cenografia de Osvaldo Gabrieli para as instalações, jogos de espelhos, performances e reprodução de filmes e imagens.

A primeira instalação é a “Caverna de Platão”, alusão direta ao mito do filósofo. Com uma das melhores metáforas do universo filosófico, o mundo das ilusões nos é apresentado. Lectícia, monitora na exposição, explica com didática e concisão o mito e convida-nos a experimentá-lo. Sombra de peixes e pessoas são reproduzidas nas paredes de tecido, criando um ambiente similar ao dos presos na caverna: condenados a ver sombras reproduzidas e tomá-las como verdadeiras.

Como num convite para sairmos das trevas, a monitora indica o caminho para se chegar à outra sala. O mundo já estava ganhando cores, porém ainda não isento de ilusões, numa difícil tarefa de separar o real do irreal.

O “Corredor dos Espelhos”, que levava a um grande saguão branco, formava um labirinto confuso no qual era possível se ver por diversos ângulos. Estranho sentir-se observada por si mesma.

Quatro tendas intituladas de “Salas dos Sentidos” estavam dispostas no saguão: cada uma de uma cor, as salas eram todas climatizadas, aconchegantes e com um alto-falante no centro a reproduzir histórias. O mundo já possuía tato, audição, visão e olfato.

O “Corredor do Fogo”, quente, o “Corredor da Tempestade”, com esguichos finos, ventiladores e sons de trovão, e o “Corredor das Texturas” com granulados de borracha cobrindo todo o chão, faziam um conjunto que poderia se chamar: os quatro elementos. O fogo no primeiro corredor, a água e o ar no segundo corredor e a terra, no terceiro corredor. O mundo tinha se completado.

O “Mar Inflável” chamou-me a atenção. Um colchão de lona azul com ar dentro, sons de navios e de ondas quebrando, permitia ser explorado pelos visitantes. Sem sapatos, entravam nas delimitações do “mar” e o experimentavam, como barcos sendo içados por ondas gigantes numa chuva de sensações e liberdade.

As setas indicativas coladas no chão levavam à sala “Mundo do Avesso” que poderia ser assim descrita: banheira no teto, televisão, sofás, cama e mesa presos na parede e uma intuição de que é possível desrespeitar as leis da gravidade.

A próxima parada é no “Salão do Escher” e conta com representações ampliadas das maravilhosas telas de Escher (1898-1972), as distorções geométricas, a exploração de perspectiva, a confusão. Interessante como a escada real deu continuidade à escada representada na tela de Escher. A junção do mundo palpável e do imaginado.

Despedindo-me da exposição, a “Área de Experiências Sensoriais” recebe-me com óculos 3D, que possibilitaram a visão dos painéis invadindo toda a sala e a impressão que poderiam ser, por mim, tocados.
Vou embora. Penso no mundo das trevas: decifrável, simples, compacto. Penso no mundo real: será?
Cenografia: Osvaldo Gabrieli
Custos: nada (fui e voltei com mamãe)
Nota: 9,5
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17.7.06

Sesi Jazz & Blues (Fernando Noronha & Black Soul) – Sesi – 16/07/06

A apoteose do Blues

Às cinco horas da tarde o Sesi já estava cheio de gente. Mas não era para assistir ao show de Fernando Noronha & Black Soul às 18h00, mas sim esperar o show de Tom Zé, que seria às 21h00. Como tive de escolher, arrisquei ir ao show de blues, já que não conhecia o artista em questão. Peguei meu bilhete sem nenhuma fila e pude esperar calmamente tomando um cafezinho. E não fui só eu que tomei essa decisão; 17h30 os ingressos para a primeira apresentação haviam se esgotado.

Como é de praxe no Festival Sesi Jazz & Blues, o show começou com pontualidade britânica. Enquanto as cortinas se abriam, um blues ardido começou a ser executado, e instantaneamente minhas dúvidas sobre se valeria a pena ter perdido Tom Zé para assistir Fernando Noronha se dissiparam. Valeria.

Uma música de qualidade altíssima, que misturava Eric Clapton e B.B.King com um pouco de Lenny Kravitz; um quase rock num formato de blues clássico. O trio formado por teclado, bateria e guitarra/voz preenchia o palco com música e, ao mesmo tempo, deixava os espaços visualmente vazios: eram três num palco enorme. O que se encaixa perfeitamente com a ideologia do blues, de alma vazia e solidão.

Habituado a cantar em inglês, o show-man de Porto Alegre por vezes se atrapalhava ao agradecer ao público: “Thank you! Valeu!”, mas isso não tem a menor importância, mesmo porque a impressão é a de que estávamos diante de algum dos grandes guitarristas de nossos discos mais queridos, de igual qualidade musical.

Os três músicos em palco soavam como uma big band inteira, e os solos de Fernando Noronha eram completos: frases bem trabalhadas, emoções contempladas junto à guitarra (é daqueles músicos que fazem do instrumento continuação do corpo), solos que por vezes eram rápidos – sem descambar para o virtuosismo desnecessário -, por vezes se resumiam a duas ou três notas repetidas muitas vezes.

Na hora da música Changes, uma das últimas, sua guitarra deu problema. Rapidamente trocou a Stratocaster por uma Telecaster (ambas marcas de guitarras Fender). Mostrando habilidade, enquanto manobrava a guitarra com a mão esquerda, fazia gestos para a equipe de som com a mão direita pedindo que aumentassem no retorno o som do teclado.

Depois do show de 1h e pouco (todos os shows do festival têm essa duração), o músico foi à frente da entrada do teatro autografar cds e conversar com o público. Olhares femininos, pouco discretos, e olhares masculinos, admirados, cercavam o guitarrista, que ficou um bom tempo dando atenção a quem interessar pudesse. Conversando com ele, perguntei se não estaria faltando alguém na banda, já que o folheto do festival dizia que haveria quatro músicos em palco. “Está sim, o baixista ficou doente e não pode vir”. Imagine se tivesse vindo.

Custos –
Transporte – Voltei a pé
Café – R$ 1,00
Total – R$ 1,00

Nota – 9,5

Set List:
1.Loving Man – 2.Ain´t no Angel – 3.Pay Back – 4.White Trash – 5.10.000 – 6.Driftin – 7.The Hound – 8.Bring It – 9.Changes – 10.Hipshake

Banda – Fernando Noronha (guitarra e voz), Luciano Leães (piano e Hammond B3) e Ronie Martinez (bateria)
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Mostra de Teatro de Mamulengo – Sesi – 16/07/06

A conspiração urbana

Tudo parecia conspirar para que eu não conseguisse chegar a tempo de ver o Teatro de Mamulengo que aconteceria às 15h00 no Sesi da Av. Paulista. Para começar, na Av. Giovanni Gronchi esperei mais de uma hora para que passasse o primeiro ônibus. Quando consegui enfim entrar num, uns quatro pontos depois, passamos pelo Estádio do Morumbi, onde logo mais aconteceria um jogo: Palmeiras e Corinthians. Vencida a etapa do estádio quando mais da metade dos passageiros saltaram, pude sentar tranqüilo e aproveitar meu atraso. Desci na Brigadeiro Luís Antônio com a Paulista para caminhar até o Sesi, e de lá ouvia uma música muito alta dos Engenheiros do Hawaii. Era um carro de som com uma mulher gritando e um banner gigante escrito “apartidários”, bem em frente ao Sesi. Não entendi direito do que se tratava.

Porém, a barulheira toda acabou me ajudando. Como não havia jeito do teatro começar com aquele ruído, os atores e músicos esperaram. Cheguei bem na hora que o carro de som foi embora, e pude encontrar com meu afilhado e minha tia que lá estavam há algum tempo. Eram 15h30.

Crianças pequenas lotavam o chão do corredor do lado de fora do Sesi, onde foi encenada a peça. Ele estava completamente tomado. E assim que os bonecos entraram em cena, os pequenos, atentos, riam, se assustavam, conversavam e interagiam com os personagens.

A mostra é apresentada nos finais de semana de julho, e o enredo das peças muda a cada apresentação. Na peça que assisti, duas pessoas controlavam os bonecos atrás de um tapume, um trio musical era responsável pela trilha sonora. Dos músicos, o sanfoneiro era o único que conversava, tanto com os bonecos quanto com a platéia, além de fazer parte da peça como um índio (estava de cocar). A preferência do público pendia, evidentemente, para o lado dos bonecos, inclusive porque o sanfoneiro não tinha lá muito jeito para lidar com o improviso próprio do teatro infantil.

A palavra de ordem é improviso. Improviso de falas, cenas e gestos, que se adaptam ao público. Além do improviso, as características principais de peça são um humor bem brasileiro, cheio de gírias e palavrões, que agradou tanto aos pequenos quanto aos grandes, e uma moral heterodoxa - a história do dia foi a de índios que perdiam suas terras para um americano ganancioso, que suborna a polícia e o representante da Funai. Os indígenas conseguem mudar para as terras do coronel, já que este se diz um fã deles. Todas as histórias fazem referência à cultura brasileira, a começar pela feitura dos bonecos: luvas, varas e varetas, esculpidas numa madeira chamada mulungu (idealizados e concretizados pelo Mestre Valdeck de Garanhuns) (centro na foto 3).

Custos:
Ônibus de ida – R$ 2,00 (voltei a pé)

Nota – 7,5

Manipulação de Bonecos:
Valdeck de Garanhuns
Lidiomar Brito Farias
Philipe Antunes

Músicos:
Oriquerê (sanfona)
Caçula (zabumba)
Leandro (triângulo)
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