7.6.20

A ARTE ESTA LIVRE AGORA




Uma das coisas que me impressiona nesses tempos sombrios de pandemia é o fato de termos nos entregado, sem qualquer pudor ou constrangimento, ao paradoxo. Estamos vivendo o paradoxo em estado absoluto, em toda a sua plenitude. Sentimentos e ações chegam sem aquele intervalo de tempo e de reflexão em que podemos pender feito uma balança “ora penso num lado, ora penso no outro” ou “ora faço de um jeito e ora faço de outro”. Não. Estamos vivendo os lados ao mesmo tempo todo o tempo, sem nos darmos conta das escolhas ou da coerência. Esse viver tudo assim de supetão trouxe também a sensação de euforia, de liberdade.

Vi, nos primeiros dias de confinamento, pessoas que antes se colocavam discretas ao cumprir tarefas de serviços públicos e mesmo as que perambulavam nas calçadas de cabeça baixa esforçando-se para parecer invisíveis agora soltavam a voz pelas ruas em conversas corriqueiras, falando alto, se apropriando do espaço como que encantadas em escutar a própria voz, vivas, quase alegres, mesmo sob pressão iminente da morte. Nesses primeiros dias, fiquei da varanda, também encantada e temerosa, a olhar todas essas ressurgidas pessoas, o mais que eu podia.


O confinamento, por sua vez, e todo o seu conceito de aprisionamento veio com o desejo secreto, um prazer quase orgástico por poder parar. Um desejo que se arrastava pela existência, totalmente inconfessável e considerado imoral, à margem, ainda mais quando confrontado com um sistema econômico monstruoso, dilapidador de existências. Um desejo que foi apaziguado por essa reclusão compulsória e que aqueceu a alma.


Ao mesmo tempo que as artes vêm sofrendo um massacre, espremidas até o toco por forças completamente opressivas que imaginam destruí-las, elas nunca foram tão requisitadas. Aqueles que estão isolados em suas casas as sorvem como o ar para que possam se preencher de sanidade e sentido. E elas, as artes, se multiplicam exponencialmente em suas mais variadas expressões. Música, artes visuais, literatura, dança, teatro.... escancaram as portas de acesso e se replicam em palestras, cursos, lives, shows e encontros nas redes sociais, na web. E, por fim, saem às varandas e ruas. Sim, artistas por sobrevivência e muito amor se arriscam nas ruas e, claro, são muito aplaudidos. Sim, pode haver liberdade em meio a esse caleidoscópio gigante em que foi transformado o mundo (e de um jeito que nem dá pra pensar em fugir) e cujos movimentos nos assustam a cada segundo.


O que nos espera agora que não há mais o conforto das certezas? Elas ao que parece partiram. Não sabemos. Não há respostas. Podemos apenas e talvez nos preencher de beleza. Podemos apenas e talvez assistir um bom filme, ler um ótimo livro. Podemos apenas e talvez nos apoderarmos de nós mesmos. Podemos apenas e talvez olhar para o outro, confortá-lo, defendê-lo e acolher a ideia de que somos sim corresponsáveis pelo bem estar dele. Despertar amanhã também já parece um bom plano.