O Porco já virou presunto
Na avenida paulista em plena hora do almoço, o cenário rotineiro: esbarrões, pressa, ternos. O que salta aos olhos no meio do cenário cinza são os centros culturais, museus e cinemas que dividem espaço com os arranha-céus, escritórios e fast-foods no coração financeiro da metrópole.
Escolhi ir até o Itaú Cultural, onde está em cartaz a primeira exposição da série Ocupação dedicada artistas marcantes da segunda metade do século XX. Com curadoria de Agnaldo Farias, a mostra propõe paralelos, relações e leituras diversas da obra de um dos precursores (e por que não mestre?) da arte contemporânea brasileira: Nelson Leirner.
O artista revisita sua própria produção do início da década de 60: o porco, a cadeira no tronco, roupas com zíper. Tudo o que havia chocado e fomentou tanto o debate nas artes plásticas no período em que foram produzidas ao lado de peças novas, desse ano.
O porco dentro de uma jaula que causou tanto espanto nos anos 60, em 2009 é um presunto. A jaula é a mesma, só que ao invés do animal “vivo” está o presunto – processado e embalado. A cadeira que estava no tronco já está coberta de folhas, vivas.
O zíper, outrora fechado, hoje já está aberto e o mistério foi revelado.
Fica claro que a obra de Leirner não se esgotou, ela deu frutos, fez escola e foi determinante para o contemporâneo da arte. O olhar do artista, ainda que voltado a sua própria produção, fala também – com muita ironia – da trajetória da arte contemporânea como um todo, em geral.
Nelson me provocou: será que o que classificamos como contemporâneo já foi tão processado, embalado e formatado, como um presunto? O que está vivo na arte? A vida comeu a cadeira. O sistema digeriu o porco. O mistério por detrás do zíper foi revelado.
De volta à avenida o cenário era o mesmo, mas minha cabeça estava em outro lugar.
Custos: 0 – fui e voltei à pé.
Vai até... 28/06
Por Helô Louzada
Imagem retirada do site: http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/0914712.jpg