Os Gênios do Crime
Por Roy Frenkiel
Por Roy Frenkiel
Um dos primeiros propósitos do cinema pós-edição, foi o da propaganda. Uma das primeiras e mais famosas propagandas massivas eficazes realizada, foi feita às ordens de Hitler, contra O Judeu, o ‘üntermentch’, ‘subumano’ responsável quase exclusivo dos males da Alemanha. Muitos de meus amigos próximos, judeus como eu, testemunharam posteriormente que a propaganda funcionaria, caso não conhecessem a realidade. O cinema, portanto, há décadas, já provou-se método não só eficaz, mas provavelmente a principal ferramenta do marketing de idéias, se não também de produtos e, eventualmente, da história.
Gibson procurou fazer exatamente isto quando lançou ‘A Paixão de Cristo’ em 2004, causando uma polêmica que, para ele e seus associados, serviu de sólida base a sólidos lucros. Independente da trama e da veracidade bíblica de sua narrativa, a direção e intenção do diretor espelham-se justamente na violência que, mesmo tendo ocorrido conforme a narrativa do filme, expressa-se com o intuito de causar desgosto, asco e repúdio aos olhos do espectador. Isso é eminente nas salas de cinema locais, onde o público ‘conversa’ com a gigantesca tela e a imagem do refletor, aplaudindo e vaiando conforme a causada impressão. O sangue do público lateja, verdeja insanamente, e a ‘torcida’ inicia um aquecimento que pode, muito bem, tornar-se concreto. Mel Gibson poderia perfeitamente inspirar o amor a Jesus com seu filme, amor religioso por seu sacrifício carnal em nome da raça humana, não apenas dos gregos ou dos troianos, mas de toda ela como uma só. Preferiu, no entanto, mostrar a tortura de sua pele, e um inimigo em comum, o traidor, o demoníaco Judas. A mensagem, é claro, torna-se mesclada à brilhante cinematografia, escolha de imagens, fala do ‘original’ Aramaico (hollywoodiano), e uma delineada trama profissionalmente selecionada para impressionar o público. Em outras palavras, a polêmica levou o público ao cinema, que com seu desgosto, mas inegável (e inexplicável, alguns clamam) prazer pelo bom filme, apenas atraiu mais público, e a mensagem, seja ela qual fosse, qual interpretasse o espectador, foi amplamente distribuída.
Agora, novamente, Gibson procura o mesmo ângulo com ‘Apocalypto’, lançado ao fim do ano passado, no misto da raiva do público à imagem do ator-diretor australiano-nova-iorquino. Aos desavisados, Mel conseguiu a proeza de ser preso dirigindo bêbado em Los Angeles, e enquanto era detido, insultou o ‘judeu, responsável exclusivo dos males dos Estados Unidos’. O filme conta a estória – e note-se o ‘e’ de ‘es’tória – da decadência da civilização Maya quando, em 1517, já sofriam pelo conflito entre 16 tribos ao controle total da região, enquanto muitos dos ex-habitantes das grandes cidades, procuravam a paz nas florestas regionais. Aqui, mais uma vez, o diretor escolhe a narrativa da violência, mesclada à sua genialidade cinematográfica inegável, para expressar um ponto que não se esconde, porque muito pelo contrário, aparece na frase de abertura do filme: ‘Uma grande civilização não se conquista por fora sem que antes se destrúa por dentro’, de Will Durant. Uso ‘estória’ não porque a película mente ou desmente a ‘história’, nem por sua fabricação, porque se muito, foi meramente editada, não modificada da crua e nua realidade. Uso-a, isto sim, justo pela injusta edição da história de uma civilização tão maior do que no momento de sua decadência, esta estendida por décadas sem fim, até a chegada verdadeiramente apocalíptica dos europeus colonizadores, vindos de uma Renascença marcada por Inquisições, Cruzadas, e total injustiça e opressão sociais. Por mais verídica, realista e perfeitamente elaborada a trama, Gibson escolheu filmá-la de modo a inspirar a torcida pela morte de índios, e ainda, quem sabe, o alívio do público quando, no horizonte, se aproximavam as caravelas de Hernández de Córdoba, capitão dos exploradores das terras Maya. Para quem conhece as consequências dessa chegada, não há possível alívio, e sim a consciência de que aquilo, e não a decadência do Império Maya, significou o fim de uma grande civilização.
Nada justifica a barbárie dos índios opressores, e ninguém pode descartar a realidade de que, entre eles e muitas de suas tribos, houve muitas guerras, muitas delas de extrema violência e crueldade, se em nome de sacrificios supersticiosos ou disputando territórios. Contudo, o genocídio ocasionado pelos europeus, de homens, mulheres, crianças e idosos, nada se compara ao primitivismo destas ditas tribos em suas batalhas. Mesmo que houvesse genocídio entre os índios, nenhuma tribo, nem as mais cruéis, procurava aniquilar crianças propositalmente, como fizeram e ainda fazem os pertencentes à Grande Civilização Ocidental. Em nenhuma de suas guerras houve a menor intenção de aniquilar toda uma raça, mesmo porque a guerra era, ou assim se pode afirmar paralelamente, ‘civil’, entre os Mayas, em seu próprio âmago. Aniquilar toda uma raça, como ainda se diz e se cochicha pelos ouvidos dos racistas, homofóbicos, anti-semitas e misógenos, significaria para os Mayas, naquela época, exterminar os próprios Mayas. Gibson, com a frase de Durant, quis expressar que as grandes civilizações sempre foram iguais, e que os europeus apenas lograram a conquista pela desunião das tribos locais. Não se pode negar que a desunião tivesse alguma influência, mas imaginemos que, por mais avançados em suas arquitetura e no modo de condução de suas vidas, em floresta ou nas restantes cidades, a surpresa dos índios foi extrema ao avistar os europeus em suas caravelas. Talvez, menos por seu avanço em infra-estrutura, e mais pelo atraso em suas superstições, a batalha dos europeus, desde a original ilha caribenha invadida por Colombo, até a desoladora conquista dos territórios Maya e Azteca, foi infinita e superiormente desproporcional ao nível dos índios, originais habitantes dos territórios colonizados, mais cruel, desumana e opressora, por motivos mais banais, sem cultura ou estrutura pensamental antropológica, apenas pelo mais básico instinto animal pela busca e consolidação de um terreno.
No futuro, não se espantem se Gibson resolver fazer um filme sobre os muçulmanos, expressando seu primitivismo e sua barbárie, e o declínio de sua civilização, que antes se auto-desestruturou para que fosse assim possível a destruição pelas mãos dos Estados Unidos militar e seus aliados. Ele é um bom diretor, afirmo com toda a certeza que pode ter um mero espectador, como outro qualquer. Nenhum dos demais participantes da sessão sequer piscou os olhos durante o muito longa-metragem. O filme é bem filmado, bem traçado, bem falado, bem legendado, e tudo de bom que se pode dizer de um filme. Assustadora nem é a mensagem... Assustadora é a intenção do diretor, espelhada na frase inicial. Gênio, ele talvez pudesse ser, sem a frase... Talvez, com a mesma, torne-se ele o que, segundo Bush e para seu secreto agrado, chamar-se-ia de ‘Gênio do Mal’.
Roy Frenkiel, direto do site Reação Cultural, exclusivo para o Arte Free
http://reacaocultural.blogspot.com/
Um comentário:
Camarada, puta texto! Será usado em sala de aula por este que vos escreve!
Abração.
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