Universalismo dos quadrinhos em tempos de ditadura
Há tempos eu queria visitar a exposição A história em quadrinhos da democracia espanhola, no Instituto Cervantes. Nessa mostra estão histórias e charges que vão desde o ano da morte do ditador Francisco Franco (1975) até os dias de hoje, tema que muito me interessa. Porém, acabei deixando para a última hora, último dia de exposição.
Generalíssimo Franco, como de praxe em governos ditatoriais, vetou todas as liberdades de expressão, tais como as músicas, textos, pinturas “subversivas”. Uma das únicas formas de arte que passava batida pela censura, por ser para crianças, eram as historietas. Através delas muito se falou contra o governo sem que este, na maioria dos casos, se desse conta. Fácil traçar um paralelo com a história brasileira em seu negro período de ditadura, as “páginas infelizes da nossa história”.
Andando pela exposição, este paralelo fica mais claro. No Brasil, durante os últimos anos militares, Angeli com sua revista Chiclete com Banana e Ziraldo com O Pasquim faziam mais ou menos o que estes artistas espanhóis fizeram. As histórias e charges falavam de sexo, falavam de solidão, de violência e, principalmente, de utopias. Tentavam subverter de alguma forma a ordem “normal” das coisas e conseguiam, tanto aqui quanto lá, um sucesso respeitoso.
Na Espanha, porém, nem a morte de Franco foi suficiente para acabar com a repressão. Uma das primeiras histórias em quadrinhos da exposição é de Carlos Gimenez (fig. 1), onde ele mostra um comunista que apanha de fascistas de forma brutal. A obra foi feita em 1976, pouco tempo antes do estúdio do artista ser atacado; o que provava que o fascismo não tinha morrido com Franco.
O sentido principal era chocar. Fazer com que as pessoas se levantassem de seus sofás para tomar alguma atitude. E também publicar qualquer coisa que a ditadura não gostasse, mas que também não tivesse argumentos para censurar.
Um dos mais agressivos neste sentido é Nazarro; quase pornô. Não respeitava os chamados “limites da permissividade”, sendo conhecido como “o mais transgressor dos desenhistas espanhóis”. Sábado, sabardete, desenhado em 1977, que o diga. Ainda na esteira política, sem perder o humor, Gin desenhou uma charge que todos os brasileiros deveriam conhecer. O nome é Mundial da Argentina (de futebol), de 1978 (fig.2), e acho que a imagem é auto-explicativa (ps. só clicar em cima que ela aumenta).
Mas é deste século a charge que, para mim, mais chama a atenção: Snowhite, feita em 2001 por Ana Juan (fig. 3). Os artistas mais recentes têm os traços mais claros, plasticamente mais bonitos. Deles, vale a pena procurar conhecer as obras de Kim, Valenzuela e Alvaro Ortiz.
Mais do que uma história da democracia espanhola, o que pude ver foi uma história da luta pela democracia no Brasil. A qualidade dos desenhistas espanhóis me lembrou da importância de nossos desenhistas, e despertou minha atenção para o significado da existência de tais revistas como Chiclete com Banana e O Pasquim, que sempre li como diversão pura e simples. Não eram.
Curadoria: José Maria Conget
Custos:
Ônibus ida e volta – 2 reais no bilhete único de estudante
2 casquinhas de sorvete – 2,00
Total – 4,00
Nota: 8,0
(Clique nas fotos para vê-las ampliadas. Todas as imagens desta matéria são propriedade exclusiva do Arte Free)
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