Latino-americanos, uni-vos!
Como de costume, assim que cheguei ao Memorial da América Latina, por volta das 10 horas da manhã da última terça-feira, me perdi em meio aos mais de 84 mil m2 em que foi erguido o complexo, durante a década de 80. A sinalização que ali existe é insuficiente para guiar o visitante que deseja desbravar o local sem ficar perdido entre todos aqueles prédios e espaços "vazios".
Após alguns minutos de desorientação, encontrei os dois amigos com os quais havia combinado e fomos até o local onde seria realizado o primeiro debate do I Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, quando se discutiu, por mais de duas horas, os rumos do chamado “novo cinema latino-americano”.
Na mesa, a diversidade de países representados pelos cineastas já denunciava, logo de início, uma das principais finalidades deste festival: aproximar e reunir, por meio da sétima arte, culturas e povos distintos em torno de uma única bandeira, a latino-americana. Um sonho de integração que nos persegue desde os tempos de Simón Bolívar, José Marti e San Martin. Os presentes eram Edmundo Aray, da Venezuela; Miguel Littin, do Chile; Nelson Pereira dos Santos, do Brasil; e Octavio Getino, da Argentina. Todos postados lado a lado, em uma mesa bastante rústica e antiga, mediados pelo documentarista brasileiro Sergio Muniz (curador do festival) e acompanhados pelo “bicão” Orlando Senna, secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, que chegou ao debate de última hora e mais fez autopropaganda do que discutiu cinema. Coisas de políticos...
Jovens almas
O que mais me chamou a atenção naquela reunião foi a juventude de espírito demonstrada por aqueles senhores, todos certamente com idade superior a 60 anos. O brilho que se notava nos olhos de cada um deles, sobretudo quando lembravam a década de 60, quando se conheceram e se tornaram amigos em meio à grande explosão da produção latino-americana ocorrida naquela época (o início do “cinema novo”), revelava algo que ainda pulsa dentro do coração e da alma de cada um. Um desejo que pode até ser utópico, mas que certamente nunca deixou de existir: fazer cinema de qualidade na América Latina e ter recursos para isto, sem depender de apoio estatal e com melhores condições de distribuição e exibição. E mais: incentivar e possibilitar, por meio deste trabalho, a tão sonhada integração dos povos latino-americanos, o que traria aos cineastas também a chance de trabalharem juntos, com produções e mercados comuns.
Neste sentido, quem mais se mostrou empolgado foi o venezuelano Edmundo Aray. De posições claramente pró-Hugo Chávez, o cineasta convocou – de forma bastante inflamada – os colegas a trabalharem pela formação de um fundo cinematográfico e de uma distribuidora continentais, além de um banco de desenvolvimento para o cinema. “O Chávez certamente adoraria investir nossos ‘petro-bolívares’ no cinema latino-americano”, brincou, logo após ressaltar o ingresso de seu país ao Mercosul. Simpatizei com ele, pois também acho que incentivar a produção, a comercialização e a exibição conjunta é a melhor forma de vencer a supremacia dos blockbusters americanos, que inundam nossas salas de cinema com produtos pasteurizados.
Baseado no que disseram os cineastas – principalmente Octavio Getino –, concluo que a função política, algo sempre característico ao cinema latino-americano, parece ganhar ainda mais peso agora, quando há um certo otimismo gerado principalmente pelo momento de estabilidade econômica e pela relativa aproximação entre Lula, Kirchner, Morales, Chávez e Fidel – os cinco personagens que talvez pudessem liderar um eventual (e concreto) processo de integração política e econômica. E isto porque, diante deste contexto, o cinema poderia servir como um primeiro passo. Um convite para que, antes de qualquer coisa, os latino-americanos pudessem se ver e se (re)conhecer em filmes, criando assim uma nova identidade, algo que fosse além de fronteiras físicas.
Um espaço acanhado para uma iniciativa grandiosa
A sala em que o debate foi realizado era pequena demais, muito tímida para acomodar pessoas de tão grande importância – time que posteriormente foi enriquecido com a presença do mestre argentino Fernando Birri, que chegou ao local uma hora após o início do debate em meio a uma grande agitação.
Tratava-se de um espaço retangular revestido de espelhos (o que me faz pensar que talvez fosse originalmente uma sala para ensaios de dança), onde foram colocadas cerca de 40 cadeiras de plástico. Com todo aquele aperto, os fotógrafos e câmeras precisavam se desdobrar para realizar seu trabalho, driblando obstáculos como a minha mochila, que deixei esparramada no chão logo que garanti meu assento. Uma estrutura quase improvisada, que sequer proporcionou aos presentes alguma informação a respeito de quem estaria na mesa (como um folder, por exemplo).
De qualquer forma, algo insuficiente para comprometer uma grandiosa iniciativa, que deve ser repetida mais e mais vezes não apenas em São Paulo, mas em diversas outras cidades das Américas Central e do Sul: a oportunidade para percebermos que, muito mais do que brasileiros, argentinos, chilenos, cubanos ou venezuelanos, somos todos latino-americanos.
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I Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo 2006
Onde: no Memorial da América Latina, no Cinesesc e na Cinemateca Brasileira.
Quando: até domingo.
Mais informações: www.festlatinosp.com.br
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Custos:
Metrô – 2,10 (com bilhete de estudante, 1,05). A volta foi de carona.
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Nota: 9,0.
Muito mais pela participação dos cineastas do que pela organização do evento.
xxx FOTOS EM BREVE xxx
2 comentários:
Parabéns rapaz!
bem vindo ao site
Uma aula! :-)
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